Como consumir menos e praticar o Lowsumerism

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Consumir deveria ser um ato pensado de acordo com as nossas necessidades, não um substituto para falta de tempo ou afeto

por Fernanda Franco Cannalonga

Muitas vezes um sinal de alerta se acende na nossa cabeça ao lermos uma matéria, notícia ou ao vermos um documentário que questiona a forma como consumimos hoje em dia. O recente estudo explora a manifestação de uma nova consciência em relação ao consumo, que rejeita os excessos e pode ter impactado você. O surgimento dessa inquietação e a sua transformação em uma mudança interna são os primeiros passos para uma vida com mais propósito (e, consequentemente, menos coisas).

Nem precisa ser muito engajado para ter passado pela sua cabeça repensar alguns hábitos. Estamos em dívida com o planeta, precisamos todos nos empenhar na mudança. Não podemos colocar em risco nossa fonte de sobrevivência (água, alimentação, ar puro) pelas falsas comodidades que nos são oferecidas.

O consumismo é incentivado o tempo todo pelas campanhas publicitárias e pelos meios de comunicação. Toda essa tentação aparece tanto no mundo offline quanto no online, e às vezes a mensagem não é muito clara, vem meio disfarçada. Tentar diminuir essa quantidade de influências na sua vida pode significar deixar de visitar um site ou preferir passear no parque no final de semana. Existem muitas possibilidades que vão além das gôndolas do supermercado e das lojas do shopping center.

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Mas, verdade seja dita, não é só porque existe estímulo visual constante que a gente compra tanto. A gente também compra por insegurança, para se sentir mais completo, menos triste, para repor o afeto que não conseguimos dar para a família porque trabalhamos muito. Consumir deveria ser um ato pensado de acordo com as nossas necessidades, não um substituto para a falta de tempo, saúde ou dedicação.

É normal ficar perdido quando se deseja uma mudança tão grande de estilo de vida. Por isso este texto mostrará alguns caminhos possíveis para colocar em prática uma vida lowsumer.

Informe-se e questione

Uma vez que você já percebeu que é preciso diminuir o ruído e a influência externa, é hora de se informar e questionar para fazer suas próprias escolhas, em vez de deixar que os outros escolham por você. Se você vai consumir menos, é hora de escolher produtos melhores para você e para o planeta. Isso serve para a alimentação, para a moda, para a tecnologia ou qualquer produto oferecido no mercado.

Saiba identificar nas embalagens ou nos sites das marcas outros atributos além dos slogans, selos e claims de marketing. Leia as letras miúdas, composição, ingredientes e também o que não está escrito explicitamente. Por exemplo, um produto feito de algodão indiano, com design americano, manufaturado no Peru e vendido no Brasil tem uma cadeia de produção longa e é provável que o controle sobre a mão de obra ou o impacto ambiental do produto tenha se perdido em alguma dessas viagens.

Além de aprender sobre as cadeias de produção, entenda o que está incluso no preço das coisas. Um produto barato pode não pagar os custos sociais, trabalhistas e ambientais devidos, abaixando o preço de uma maneira artificial, pois a sociedade acaba tendo que arcar com isso. O economista e escritor britânico Raj Patel afirma que o real custo de hambúrguer seria de 200 dólares se considerássemos a destruição ambiental e os danos sociais da cadeia de produção. Ainda assim, um preço alto não é garantia de sustentabilidade, mas é provável que um produto ético tenha um valor mais alto, pois respeita a cadeia e todas as pessoas que participam dela.

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Toda essa informação vai te ajudar a responder algumas perguntas como: “Eu realmente preciso disso?”, “isso agrega valor à minha vida?” ou “eu concordo com a forma como esse produto foi produzido?”. Além disso, é preciso se perguntar se o item que desejamos é realmente melhor do que o que temos hoje, ou se estamos apenas acostumados a nunca estar satisfeitos com o que já possuímos.

Simplificar ajuda a reduzir

As perguntas do tópico anterior vão fazer você refletir sobre levar uma vida mais simples, mas, antes de tudo, é importante percebermos o quanto consumimos. Manter um diário do que você consome, como você se alimenta ou quais cosméticos você costuma usar é um importante exercício de autoconhecimento e de análise de prioridades. Lembre-se de procurar as respostas, não as falhas. Depois de alguns dias ou semanas você será capaz de dizer o que precisa ser mudado, qual será o seu foco.

Você, gradativamente, vai se acostumar com a ideia de possuir e desejar menos coisas. E com isso viverá muito melhor, uma vez que uma das maiores fontes de angústia do ser humano é o desejo. Também vai sentir vontade de melhorar suas relações, ganhar experiências, aprender mais e, para isso, terá que diminuir o ritmo em todas as suas ações, não apenas na hora de passar algum produto no caixa. Equilibrar o montante de trabalho com a qualidade de vida é essencial, mas checar o e-mail corporativo pelo celular durante o almoço de família de domingo é perder um tempo precioso de vida.

No mercado de trabalho, uma nova leva de profissionais acredita que não é preciso abrir mão da vida em troca do salário, que é possível diminuir o ritmo, mesmo que isso signifique ganhar menos (e, se você já está na onda do minimalismo, é provável que consiga viver bem com um pouco menos). Algumas pessoas decidem diminuir a jornada de trabalho e outras escolhem empreender para ter a flexibilidade que o mercado não oferece.

Recuse a ideia de que você é um consumidor: você não é! Cada pessoa é um ser humano com muitas características únicas, não é justo colocá-las no saco do “lifestyle-consumidor”. Recuse todas as ideias preconcebidas. Você não precisa aceitar a sacolinha do supermercado ou o canudo do restaurante. O projeto Menos1lixo, por exemplo, incentiva as pessoas a trocarem o copinho plástico descartável por uma versão reutilizável. O copo retrátil de alumínio, que pode ser levado em qualquer bolsa, já fez a criadora do projeto, Fernanda Cortez, economizar 1028 copos só em 2015.

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Uma nova relação com os objetos

Troca e aluguel são conceitos que sempre existiram, mas agora eles aparecem com uma nova roupagem, mais atraente e moderna. Fica fácil imaginar suprir suas necessidades sem precisar comprar um objeto novo. A economia colaborativa está em voga, propondo que se divida com os outros não só objetos, mas também conhecimento e trabalho. Esse é o caso do Café com Costura, projeto do Roupa Livre, que ensina a costurar ao mesmo tempo que produz peças têxteis que são doadas para projetos que precisam, como o Preto Café e o Pimp My Carroça.

Ainda falando de costura, o Ateliê Vivo é um espaço em que você pode ir para fazer suas próprias roupas, utilizando modelos doados por grandes estilistas. Mas nem só de costura vive esse movimento. É possível fazer muita coisa com pouco espaço, conhecimento e planejamento: plantar alimentos em casa, cozinhar sua própria comida, desenhar e montar móveis, pintar a casa etc.

Esta nova dinâmica de consumir menos requer um pouco de esforço e adaptação.

É preciso enxergar além do estado atual do objeto para conservar e garantir que ele não tenha que ser substituído por outro. Quem faz tem mais consciência do trabalho que dá e, portanto, mais disposição de cuidar e fazer durar. Mas não precisa fazer tudo isso sozinho. Em mais de 800 localidades no mundo já é possível encontrar um Repair Café, encontro para consertar coisas junto de outras pessoas, compartilhando conhecimentos.

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Se você ficou sensibilizado, faça um teste: fique um dia sem usar as redes sociais, um mês sem comprar, coloque em prática e perceba o que aprendeu com a experiência.

Bateu um entusiasmo? Aproveite para começar agora! Mas tome cuidado para não tentar fazer tudo de uma vez e acabar desanimando. Mudar é difícil, enquanto procrastinar é muito fácil e indolor. Mas a ação é uma troca: você dá energia e recebe respostas de volta. Quando decidimos viver mais e consumir menos, o mundo à nossa volta também vai se transformando, assim passa a existir espaço para uma maré de propósito e conscientização. Não é só o meio ambiente que ganha, as relações também tendem a ficar mais leves e interessantes.

Não subestime seu poder de transformação. Observe como as grandes mudanças mundiais ocorreram: elas começaram com pequenos atos, que foram sendo copiados e espalhados.

Versão resumida ×

O consumismo não está ligado somente à propaganda e aos estímulos constantes. Compramos também por insegurança, para nos sentir mais completos. Mas consumir deveria ser um ato pensado de acordo com as nossas necessidades, não um substituto para a falta de tempo, saúde ou dedicação.

O recente estudo “The Rise Of Lowsumerism” explora a manifestação de uma nova consciência em relação ao consumo, que rejeita os excessos e pode ter impactado você. É normal ficar perdido quando se deseja uma mudança tão grande de estilo de vida. Por isso aqui estão algumas soluções para colocar em prática uma vida lowsumer:

1) Escolha produtos melhores para você e para o planeta: leia as letras miúdas das embalagens, composição, ingredientes e também o que não está escrito explicitamente. Por exemplo, um produto feito de algodão indiano, com design americano, manufaturado no Peru e vendido no Brasil tem uma cadeia de produção longa e é provável que o controle sobre a mão de obra ou o impacto ambiental do produto tenha se perdido em alguma dessas viagens.

2) Entenda o que está incluso no preço das coisas. Um produto barato pode não pagar os custos sociais, trabalhistas e ambientais devidos, abaixando o preço de uma maneira artificial, pois a sociedade acaba tendo que arcar com isso.

3) Manter um diário do que você consome, como você se alimenta ou quais cosméticos você costuma usar é um importante exercício de autoconhecimento e de análise de prioridades. Depois de alguns dias ou semanas você será capaz de dizer o que precisa ser mudado, qual será o seu foco.

4) Equilibrar o montante de trabalho com a qualidade de vida é essencial, mas checar o e-mail corporativo pelo celular durante o almoço de família de domingo é perder um tempo precioso de vida.

5) Recuse a ideia de que você é um consumidor: você não é! Cada pessoa é um ser humano com muitas características únicas, não é justo colocá-las no saco do “lifestyle-consumidor”. Recuse todas as ideias preconcebidas. Você não precisa aceitar a sacolinha do supermercado ou o canudo do restaurante.

6) Usufrua da economia colaborativa, que propõe que se divida com os outros não só objetos, mas também conhecimento e trabalho.

7) É possível fazer muita coisa com pouco espaço, conhecimento e planejamento: plantar alimentos em casa, cozinhar sua própria comida, desenhar e montar móveis, pintar a casa etc.

8) A dinâmica de consumir menos requer um pouco de esforço e adaptação. É preciso enxergar além do estado atual do objeto para conservar e garantir que ele não tenha que ser substituído por outro. Quem faz tem mais consciência do trabalho que dá e, portanto, mais disposição de cuidar e fazer durar.

9) Faça um teste: fique um dia sem usar as redes sociais, um mês sem comprar, coloque em prática e perceba o que aprendeu com a experiência.

10) Tome cuidado para não tentar fazer tudo de uma vez e acabar desanimando. Mudar é difícil, enquanto procrastinar é muito fácil e indolor. Mas a ação é uma troca: quando decidimos viver mais e consumir menos, o mundo à nossa volta também vai se transformando, assim passa a existir espaço para uma maré de propósito e conscientização.

Não subestime seu poder de transformação. Observe como as grandes mudanças mundiais ocorreram: elas começaram com pequenos atos, que foram sendo copiados e espalhados.

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Vá Além

Abaixo a comida barata!

Um texto escrito por pessoas que acreditam que o alimento e tudo o que envolve a sua produção devem ser devolvidos ao lugar central entre as atividades humanas.

Unravel

Este vídeo mostra o percurso, através dos oceanos, das roupas americanas que chegam na Índia para serem recicladas. Por um viés mais humano, ele mostra a parte desconhecida da cadeia de produção.

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