A desaceleração do fast fashion
Quando olhamos para a história da moda no século XX, temos uma divisão bem definida das décadas e seus respectivos estilos. Glamour nos anos 1920, masculinização nos 1940, revolução sexual na década de 1960, supermercado de estilos em 1990… Porém não é fácil identificar uma estética que defina os primeiros anos do século XXI.
Foi dos anos 2000 pra cá que a moda começou a se inspirar historicamente nas décadas do século anterior, revisitando-as e criando imagens novas. Pense na grande miscelânea de estéticas vistas desde a virada do século: as mulheres de Sex & The City, Lady Gaga e seus Little Monsters, o movimento emocore, os ecofriends com seus tecidos sustentáveis, o lenço estampado da Balenciaga, high-low, androginia, hipsterismo… Impossível listar todas as referências, e muito menos eleger a mais marcante.
Porém é possível afirmar que um bom resumo da estética dos anos 00 seja o multiculturalismo. A moda nunca foi tão globalizada, e nunca tantas pessoas em tantos lugares diferentes do mundo se vestiram da mesma maneira. Um dos grandes responsáveis por isso, além da estimada Rede Mundial de Computadores, é o fast fashion.
Desde o final dos anos 1990, o fast fashion vem dominando o planeta com seus preços camaradas, design contemporâneo e qualidade questionável. É uma engrenagem que defende exatamente a grande essência da moda: a efemeridade.
O filósofo Gilles Lipovetsky comenta que, desde os anos 1950, a chamada “estratégia da obsolescência planejada” faz com que as empresas criem pequenas mudanças estilísticas em seus produtos, lançando-os como novos. Embora obras “imortais” ainda possam ser realizadas, os projetos de curta duração são o principal fruto dessa cultura, na qual os objetos têm sua morte programada com antecedência e, muitas vezes, são consumidos antes mesmo de sua posse.
O sociólogo francês Jean Baudrillard defende uma relação mais ativa com os objetos. Segundo ele, em todos os tempos comprou-se, possuiu-se, usufruiu-se, gastou-se e, contudo, não se consumiu. Segundo ele, o consumo se dá quando se estabelece uma relação entre o indivíduo e o significado do objeto, ou seja, é o signo do qual o objeto se reveste que o torna consumível.
É aí que nasce o “objeto de desejo”: algo carregado de valores e signos que é oferecido ao homem contemporâneo como capaz de suprir suas carências internas. No entanto, ao perceber que o objeto não pode preencher esse vazio, ele permanece frustrado, gerando uma doentia compulsão para o preenchimento dessa realidade ausente. É um ciclo infinito que jamais se realiza, justamente por não ter limites.
Porém, este cenário já apresenta sinais de desgaste. Observa-se hoje um comportamento em relação à moda que sugere uma maior valorização de tudo que consumimos. Os produtos estão cada vez mais incorporando ao seu design valores intangíveis, deixando de ser apenas objetos para se transformarem em sujeitos que constroem com os consumidores uma relação mais emocional.
Marcas que acreditam neste conceito já estão pipocando mundo afora. Recentemente, a especialista em moda vintage Gill Linton falou com o portal PSFK sobre o enfraquecimento do atual formato da indústria do vestuário. Segundo ela, sua loja Byronesque existe para “instigar a imaginação das pessoas e não deixar que elas se vistam todas da mesma maneira”. Gill acredita que peças vintage são cada vez mais valorizadas, não somente pela autenticidade de seus designs ou pela história que carregam, mas pela durabilidade que oferecem, por terem sido confeccionadas com um primor de qualidade muito superior ao que estamos acostumados.
Aqui no Brasil, os incríveis tricôs de Helen Rödel nadam fortemente contra a corrente do fast fashion. Outras tentativas — ainda tímidas — levantam a bandeira do Slow Fashion tupiniquim: a coleção MB Infinito da grife Maria Bonita, com modelagens clássicas que duram muito mais do que apenas uma estação; a estilista Flávia Aranha, que utiliza materiais orgânicos na confecção de peças atemporais; Martha Medeiros, conhecida por seu trabalho realizado junto às rendeiras do Rio São Franscisco.
Um depoimento publicado na Folha de São Paulo em 2013 salienta esse cansaço geral em relação ao efêmero. O texto de Vivan Whiteman critica a grande fábrica de “tendências” que as fashion weeks se tornaram, e como é humanamente impossível acompanhar essa montanha russa de lançamentos. Concomitantemente, em uma série de entrevistas do Style.com sobre o futuro da moda, o estilista Azzedine Alaïa disse que
“é inconcebível que um designer tenha uma grande ideia a cada dois meses”.
Tanto é que muitos apelam para a cópia, como mostrou uma polêmica matéria da revista Piauí em 2007. Mesmo grifes consideradas carros-chefe da moda mundial já assumiram ter copiado modelos de outras marcas.
A própria indústria do fast fashion já está atenta a estas novas correntes e vem planejando alternativas para continuar no jogo. Hoje, as principais redes competem pelo melhor básico: ganha quem oferece a camiseta branca feita com malha de qualidade, modelagem perfeita e preço justo. A canadense Aldo tem investido pesadamente em sua linha básica com uma campanha chamada “Give Me Aldo”.
No Brasil, o estilista Francisco Costa desenvolveu junto à C&A uma linha de moda barata com tecidos bons. Foram abolidos os materiais de qualidade baixa, abrindo espaço para couro verdadeiro, algodão nobre e um tipo de seda que, apesar de mais acessível, ainda é seda.
Nesta indústria em que criadores copiam criadores, resgatar o “significado” de uma roupa — aquele capaz de gerar desejo no consumidor — será o grande desafio do setor para os próximos anos. Afinal, a busca pela autenticidade é o que deve marcar a imagem desta segunda década do século XXI.
Quando olhamos para a história da moda no século XX, temos uma divisão bem definida das décadas e seus respectivos estilos, porém não é fácil identificar uma estética que defina os primeiros anos do século XXI. Impossível listar todas as referências, e muito menos eleger a mais marcante.
Porém, é possível afirmar que um bom resumo da estética dos anos 00 seja o multiculturalismo. A moda nunca foi tão globalizada, e nunca tantas pessoas em tantos lugares diferentes do mundo se vestiram da mesma maneira. Um dos grandes responsáveis por isso é o fast fashion, que defende exatamente a grande essência da moda: a efemeridade.
Mas este cenário já apresenta sinais de desgaste. Observa-se hoje um comportamento em relação à moda que sugere uma maior valorização de tudo que consumimos. Os produtos estão cada vez mais incorporando ao seu design valores intangíveis, deixando de ser apenas objetos para se transformarem em sujeitos que constroem com os consumidores uma relação mais emocional.
Em uma indústria na qual criadores copiam criadores, resgatar o “significado” de uma roupa — aquele capaz de gerar desejo no consumidor — será o grande desafio do setor para os próximos anos. Afinal, a busca pela autenticidade é o que deve marcar a imagem desta segunda década do século XXI.
Comente