Êxodo urbano: impulso primitivo em busca da simplicidade
Muito se fala ultimamente sobre uma vida mais simples, regida pelo consumo consciente, a permacultura e uma rotina mais distante de todo o caos e movimento dos grandes centros urbanos. Estamos vivendo um período de busca pela nossa essência mais selvagem, por um sentido maior e algo que nos torne mais significantes no mundo. Estamos em um cenário de êxodo urbano, com a mudança de uma parcela de pessoas para o campo, praia ou ecovilas, formando novas comunidades em que o isolamento faz parte, mas não comanda o todo.
Há alguns anos, esforços têm sido dedicados ao êxodo urbano, como é o caso de Londres que, como tantas outras cidades, atingiu sua lotação máxima, não havendo muito espaço no metrô, por exemplo, para as idas e vindas da população. Cansados da infraestrutura, do custo alto e da baixa qualidade de vida, londrinos dizem adeus à capital. De acordo com um artigo do Telegraph e um relatório publicado pelo Office of National Statistics, mais de 58 mil pessoas com idade entre 30 e 39 anos deixaram a cidade entre junho de 2012 e junho de 2013 — um número recorde.
O jornal The Guardian também reforçou, em um artigo, os porquês das mudanças, comentando casos de pessoas que migraram para os arredores. O autor — Rafael Behr — descreve o quanto já amou Londres, apesar de seus inúmeros defeitos, mas hoje se cansou da cidade, que não dá chances para que você trabalhe e viva bem com o que ganha. Os esforços parecem ser em vão e deixam as pessoas distantes do que é justo, digno de esforço.
“O impulso de escapar é primitivo. Está no apetite por oxigênio, o sonho de crianças tendo uma infância livre e o desejo de ver o horizonte por períodos prolongados.”
Ainda dentro deste raciocínio, Behr afirma: “eu claramente não estou sozinho em sentir que a exuberância caótica de Londres azedou em uma mania disfuncional. O que antes era excentricidade agora parece uma patologia. Foi certamente insalubre para mim, é por isso que eu saí. Eu não pertencia mais”. É com este pensamento em mente que muitas pessoas estão buscando pelo ar mais puro. Com esse boom babélico, capitalista e exagerado, adoecemos e estamos sempre repondo as energias fora da cidade. É sufocante viver em um lugar em que você mal tem tempo de ver se está sol ou chuva lá fora. No caso de São Paulo, você deve se contentar com o volume morto da Cantareira ou aprender a dança da chuva.
Se ainda restam dúvidas sobre como as grandes cidades estão nos atrapalhando, tente observar quanto tempo você utiliza com transporte diariamente, quanto tempo demora pra ler algo que gosta, há quanto tempo não vê seus melhores amigos ou não tira umas férias. A grande maioria consegue 15 dias de descanso (quando muito), com ressalvas de “voltar logo” para o posto de trabalho. Até quando vamos viver os sonhos alheios em troca de uma casa que custa até cinquenta vezes mais do que ganhamos, ou um carro que é parcelado em dez anos ou mais?
A nossa essência não mora no que podemos comprar, mas sim no que podemos ser. Perante a lei dos homens, todos nascemos livres, e essa consciência emergente tem se disseminado há alguns anos.
Terra à vista
O número de jovens se mudando para o campo é crescente, demonstrando uma inversão nos fluxos migratórios. O contato com a natureza, a sensação de liberdade, a simplicidade e novas oportunidades de trabalho são atraentes para uma geração que provavelmente nunca viveu este contato, tão crucial para a espécie. Junto com essa sede por aventura, o cenário rural tem se mostrado promissor, com a ascensão dos alimentos orgânicos e o estilo de vida saudável. Além disso, produtores estão envelhecendo e necessitando pessoas mais novas e munidas de força de vontade no comando.
A cidade remota de Timaukel, no meio da Patagônia chilena, está em busca de 145 pessoas para expandir sua existência. Isso porque a pequena comunidade abriga atualmente apenas 25 pessoas e precisa não só de povoamento, mas de moradores que prezem pelo desenvolvimento sustentável do espaço. Surpreendentemente, o governo já recebeu mais de 1600 inscrições de interessados na mudança e construção de uma nova comunidade a 2700 km da capital, Santiago.
O pensamento fora da caixa vindo especialmente dos jovens é um grande incentivo para expandir o mercado, além de ampliar as comunidades que se formam em lugares remotos. É o caso das ecovilas, assentamentos sustentáveis feitos por e para pessoas viverem juntas, em harmonia com o entorno, a partir de algumas práticas importantes para seu funcionamento e longevidade, por exemplo, promover a utilização de energias renováveis, produção orgânica de alimentos, bioconstrução — casas feitas com materiais que não poluem o meio ambiente — e criação de esquemas de apoio familiar e social, visando que ninguém fique na mão.
No Brasil, existem eco comunidades espalhadas por vários estados, trazendo uma nova construção social, que vem de dentro para fora, assim como aconteceu nos tempos mais longínquos, só que agora com muito mais responsabilidade e respeito por quem veio primeiro: a natureza. O despertar de uma consciência mais abrangente, coletiva, ambiental e sustentável, aliada aos bens que novas tecnologias são capazes de oferecer, nos dão um respiro esperançoso sobre o que vem pela frente. Se construirmos um habitat ao nosso modo, com nossas próprias mãos, e ainda assim incorporarmos o espírito coletivo, alcançaremos o nirvana de uma vida simples, sem excessos materiais e com abundância de experiências que ajudam na evolução da espécie e na construção de um mundo diferente.
Novos modos de vida
Mesmo dentro das metrópoles, a busca por menos é constante. Novos empreendimentos, embora inacessíveis para a maior parte da população, ampliam a ideia de espaços cada vez mais otimizados, atendendo apenas as necessidades básicas. Recentemente, uma matéria da VICE narrou as escolhas de jovens parisienses que pagam fortunas para morar em pequenos apartamentos, com metragens de 7 a 17 metros quadrados. A ideia de viver apenas com o essencial poderia custar bem menos.
Em contrapartida, o espírito aventureiro também ressalta a ideia de não ter uma casa fixa, de carregar seus poucos pertences por onde quer que você vá, seja numa van, num trailer, numa mala ou numa Tiny House, modelo de casa pré-fabricada, feita em alvenaria, em geral pequena, aconchegante e muito em conta. A chance de seguir novos rumos carregando, literalmente, uma moradia nas costas, é outro atrativo interessante.
O ser humano tem dentro de si uma incansável busca por preenchimento e felicidade. O paradoxo desta era é que, por mais que surjam novidades a cada dia e um turbilhão de informações a cada segundo — especialmente em termos de tecnologia e praticidade —, por vezes nos sentimos distantes, incompletos, frustrados e insignificantes.
Todos os dias, milhares de pessoas desmotivadas arrastam seus corpos para o trabalho, pensando “como é que eu posso sair daqui?”. Negligenciamos nossa própria vida por conta do conformismo exacerbado de tempos passados.
A crise existencial está a ponto de ebulição e parte da sociedade tem se esforçado para mudar este cenário entediante, nem que seja para dar um salto no vazio. E saltar é sempre um risco, mas traz um alívio gratificante quando se toca os pés no chão.
Essa vontade de recuperar raízes, correr atrás do tempo perdido, mostra que somos, acima de tudo, selvagens. Quanto mais próximos da natureza e de sua sublime simplicidade, mais próximos estamos de nós mesmos, conectados e imersos em nossos desejos, anseios, medos e prazeres. Será essa a salvação da nossa própria sobrevivência? Ainda não temos essa resposta, mas este é um grito por um pequeno sopro de vida que ecoará no horizonte da nossa existência.
Muito se fala ultimamente sobre uma vida mais simples, regida pelo consumo consciente, a permacultura e uma rotina mais distante de todo o caos e movimento dos grandes centros urbanos. Estamos vivendo um período de busca pela nossa essência mais selvagem, por um sentido maior e algo que nos torne mais significantes no mundo. Estamos em um cenário de êxodo urbano, com a mudança de uma parcela de pessoas para o campo, praia ou ecovilas, formando novas comunidades em que o isolamento faz parte, mas não comanda o todo.
Tente observar quanto tempo você utiliza com transporte diariamente, quanto tempo demora pra ler algo que gosta, há quanto tempo não vê seus melhores amigos ou não tira umas férias. Até quando vamos viver os sonhos alheios em troca de uma casa que custa até cinquenta vezes mais do que ganhamos, ou um carro que é parcelado em dez anos ou mais? A nossa essência não mora no que podemos comprar, mas sim no que podemos ser.
Todos os dias, milhares de pessoas desmotivadas arrastam seus corpos para o trabalho, pensando “como é que eu posso sair daqui?”. Negligenciamos nossa própria vida por conta do conformismo exacerbado de tempos passados. A crise existencial está a ponto de ebulição e parte da sociedade tem se esforçado para mudar este cenário entediante, nem que seja para dar um salto no vazio. E saltar é sempre um risco, mas traz um alívio gratificante quando se toca os pés no chão.
Essa vontade de recuperar raízes, correr atrás do tempo perdido, mostra que somos, acima de tudo, selvagens. Quanto mais próximos da natureza e de sua sublime simplicidade, mais próximos estamos de nós mesmos, conectados e imersos em nossos desejos, anseios, medos e prazeres.
Comente