O profundo despertar do consumo feminino
Creme antifrizz, hidratante de cutículas, redutor de poros, máscara que estimula o crescimento dos cílios, creme para celulite, shampoo com vitamina X e proteína Y, desodorante vaginal, clareador de axila. E por aí vai.
Ao entrar numa farmácia, abrir uma revista feminina, fuçar a web ou simplesmente andar na rua, somos bombardeadas por propagandas e um mundo de produtos de beleza. É maluco ver até onde a indústria chega para nos vender coisas das quais nós não precisamos.
A geração Y ainda nasceu nesse mundo onde as mulheres são, desde pequenas, inundadas por comerciais e mensagens de todos os tipos, que dão quase sempre o mesmo recado: você não é bonita nem saudável o suficiente. Essa mensagem, aliada a uma solução em forma de produto, adquirível a um clique, faz com que nos tornemos presas fáceis.
Isso acontece porque somos colocadas em uma corrida eterna pela aparência ideal. Somos ensinadas, desde muito cedo, de jeitos escancarados e sutis, que nosso maior atributo, nossa maior contribuição para o mundo, é a beleza. Nos ensinam também que existe uma beleza certa, um padrão a ser atingido. As diferenças, os diversos tipos de corpos possíveis, não são retratados ou abordados com naturalidade.
Crescemos então perseguindo o inalcançável para a grande maioria: corpos que não são os nossos e nunca serão.
Hoje, uma nova geração de meninas já nasce com acesso à Internet, navegando naturalmente nessa rede distribuída na qual todo o tipo de informação está disponível a poucos cliques. Textos de qualidade, vídeos de eventos ao redor do globo, fóruns, pessoas trocando informações valiosas em tempo real e combinando encontros offline para aprender juntas.
Elas estão consumindo conteúdo e se conectando, cada vez mais, e cada vez mais cedo. Diferente de suas mães, elas sabem de muita coisa desde muito novas. Já entendem que feminismo significa igualdade de gênero e que viver em função da é sinônimo de sofrimento e não de saúde. Têm muito mais critério para avaliar um novo método estético para queimar gordura localizada e coragem de questionar o dermatologista quando ele dá uma receita infinita de cremes caríssimos para a pele. Elas sabem que substâncias fazem bem e mal para o corpo. Elas não acreditam em tudo que vendem para elas. As filhas da Internet estão consumindo com muito mais cuidado.
Não-consumo como forma de expressão
O está dado e claro: não podemos seguir produzindo e consumindo com foco na maximação dos lucros e alongamento bestial das cadeias, extraíndo o possível de cada parte só pra manter o custo final dos produtos lá em baixo. Os recursos naturais estão acabando e a vida no planeta Terra como conhecemos está em risco. Os impactos humanos e sociais são enormes. Não faltam notícias, vídeos do TED e textos inspiradores sobre o assunto.
Consumir menos, para muitas das meninas hoje, é uma forma de se expressar no mundo. De fazer uma parte do trabalho necessário, de construir uma vida com mais propósito e significado. Diferente da experiência de seus pais, possuir não mais traduz sucesso e segurança.
Não à toa tantos veículos, movimentos, projetos e marcas abordam cada vez mais o assunto ou nascem com essa vocação: pregar um consumo mais lento, artesanal e consciente.
O consumo sustentável e o cuidado com a saúde
A mudança do padrão de consumo também está relacionada ao movimento de resgate de um olhar mais cuidadoso para a saúde, intrinsecamente conectado ao fato de que não podemos seguir mais produzindo como produzimos, e de que muitas coisas das quais precisamos podem ser feitas de um jeito mais saudável e artesanal.
A Internet está sendo veículo importante desse processo, através de informações e trocas de experiências e conhecimento entre as meninas. Sobram na web informações sobre produtos orgânicos, certificados e fair trade. Além dos sites e blogs, existem grupos no Facebook e em fóruns para discutir o assunto, além de marketplaces e marcas com produtos naturais e uma enxurrada de informações importantes sobre o tema.
Não-consumo como atitude política
O consumo (e o não consumo, através do boicote) também funciona, para essa geração de meninas, como arma política. O que consumimos mostra um pouco de quem somos, no que acreditamos e o que estamos .
Esse movimento de identificação ou desindentificação com uma marca está caminhando para muito além de gigantes como Coca-cola e Monsanto, e os grandes temas polêmicos que vêm com elas. Não tem mais a ver só com o produto que a empresa põe no mundo ou com sua lógica de operação. Tem a ver também com os movimentos que ela apoia, as propagandas que escolhe produzir, os assuntos que gera na web — ou seja, como ela se posiciona de maneira ampla no mundo.
Muitas marcas cavam o próprio buraco com as mulheres ao reproduzirem padrões sociais problemáticos ou se mostrarem alheias a algumas discussões culturais importantes, como:
— Campanhas que reforçam a lógica machista e de desigualdede de gênero, como a campanha “Homens que amamos”, da Risqué, que lançou linha de esmaltes homenageando ideais machistas de comportamento; a #semMimimi, da Novalfem, que chamou as dores da cólica menstrual de frescura; e a peça publicitária da Fastshop, que trouxe uma máquina de lavar da Samsung como oferta de dia das mulheres, aliada à frase “tenha mais tempo livre”.
— Trabalho escravo e demonstrações claras de nenhuma preocupação com os funcionários, fornecedores e/ou cadeia produtiva, como foi o caso da Zara e de marcas de Fast Fashion.
— Campanhas de objetificação e estereotipação da mulher, como é o caso frequente de inúmeras propagandas de cerveja, como a campanha “Seria assim”, da Skol, que coloca uma mulher bonita em situações de exposição do corpo; da , com a campanha sobre vazamento de imagens íntimas; e da Vono, que lançou propaganda de cunho humorístico alegando que as mulheres não sabem o que querem. Além de campanhas que fazem apologia à cultura do estupro, como o famoso caso da Skol com a campanha “Esqueci o não em casa”.
De outro lado, algumas marcas conseguem abraçar assuntos relevantes e criar uma relação mais íntima e amigável com as meninas. É o caso da Lola Cosmetics, com campanha que teve como garota propaganda uma mulher trans; da Heineken, com a campanha “We all love beer”; e da sorveteria Ben & Jerry's, com o posicionamento a favor da diversidade e da união homoafetiva.
A web transformou o cenário do consumo feminino. Cada vez mais veículos aparecem para mostrar a força do novo conteúdo direcionado para elas. As marcas precisam olhar de frente para esse movimento forte de empoderamento e encarar uma trasformação, tanto dos produtos que produzem e de seus processos produtivos, quanto do modo como se comunicam na publicidade. As filhas da Internet são feministas (sabendo ou não disso) e não levam desaforo nem opressão para casa. Muito menos em forma de produto.
Ao entrar numa farmácia, abrir uma revista feminina, fuçar a web ou simplesmente andar na rua, somos bombardeadas por propagandas e um mundo de produtos de beleza. É maluco ver até onde a indústria chega para nos vender coisas das quais nós não precisamos. A geração Y ainda nasceu nesse mundo onde as mulheres são, desde pequenas, inundadas por comerciais e mensagens de todos os tipos, que dão quase sempre o mesmo recado: você não é bonita nem saudável o suficiente. Crescemos perseguindo o inalcançável para a grande maioria: corpos que não são os nossos e nunca serão.
Hoje, uma nova geração de meninas já nasce com acesso à Internet, navegando naturalmente nessa rede distribuída na qual todo o tipo de informação está disponível a poucos cliques. Textos de qualidade, vídeos de eventos ao redor do globo, fóruns, pessoas trocando informações valiosas em tempo real e combinando encontros offline para aprender juntas. As filhas da Internet estão consumindo com muito mais cuidado.
Consumir menos, para muitas das meninas hoje, é uma forma de se expressar no mundo. De fazer uma parte do trabalho necessário, de construir uma vida com mais propósito e significado. Diferente da experiência de seus pais, possuir não mais traduz sucesso e segurança. A Internet está sendo veículo importante desse processo, através de informações e trocas de experiências e conhecimento entre as meninas.
Muitas marcas cavam o próprio buraco com as mulheres ao reproduzirem padrões sociais problemáticos ou se mostrarem alheias a algumas discussões culturais importantes. De outro lado, algumas marcas conseguem abraçar assuntos relevantes e criar uma relação mais íntima e amigável com as meninas.
Comente