Troca de valores
Tenho a impressão de que em determinado momento optou-se pelo comércio. O homem foi tirado da posição de centro do desenvolvimento e muitas das relações humanas viraram comerciais.
O que conhecemos hoje como hábito de consumo teve início no fim do século XIX. Para que o modelo industrial prosperasse, era preciso que as pessoas tivessem a necessidade de comprar continuamente, pois, assim, a mercadoria não ficaria encalhada. A produção era em massa e, por isso, existia a importância das convenções sociais. Quanto mais padronizadas, mais fácil seria atender a demanda.
A partir daí, outros players foram se somando ao grande jogo: a ilusão do crédito fácil, a sedução da publicidade e as técnicas de manufatura sofisticadas – capazes de satisfazer desejos tão secretos que nem mesmo você sabia que tinha até ser seduzido por elas em alguma vitrine. Surgiu a segmentação do consumo e uma customização acessível, fazendo a convenção social perder força. A individualidade era a nova bandeira de liberdade. Ou seria da propaganda?
Na sequência dessa história, o que era paisagem virou propaganda. Nossas cidades viraram propaganda. Cultura virou propaganda. Editoriais viraram propaganda. E, desde então, vivemos mergulhados no consumismo.
Não vejo nada de errado em consumir. Desde que o passado de caçadores-coletores foi superado, essa tarefa faz parte do cotidiano. O que me perturba é o excesso. Ambição é quando desejamos algo que ainda não possuímos, e alcançar esse objetivo pode nos encher de um certo valor. Ganância é quando queremos mais daquilo que já temos. Quando os desejos borram os limites do bom senso. Quando o egoísmo promove o esquecimento de que somos um grupo e que, se um tem demais, certamente para o outro irá faltar.
Para além das implicações econômicas ou de sustentabilidade, uma das faces mais obscuras dessa nossa época talvez, seja o fato de que o excesso de consumo tirou o homem do centro da sua própria vida, pois a vida virou propaganda.
Ou melhor, uma boa vida agora é lifestyle. Prova disso é a ascensão de blogueiros, cujo único conteúdo que disseminam são produtos e serviços a virar aspiração ou padrão de qualidade de vida. Começamos a acreditar que se não tivermos um like que nos valide, não temos existência. Nessa lógica, ou estamos consumindo ou nos oferecendo para ser consumidos.
E, assim, vivemos de acordo com o comércio. Por mais que possamos acreditar que evoluímos muito desde os primórdios, e até tenhamos espasmos de ética e estética avançada, a sensação é a de que crescemos muito pouco quando o assunto é consciência. E já está na hora de fazer esse exercício.
Antes de sair comprando por impulso, reflita, invoque o seu espírito coletivo, pense na natureza e no bem comum. Questione cada desejo: “Eu preciso mesmo disso?”, “será que esse produto não prejudica o planeta?”, “esta é a melhor alternativa?”.
Precisamos pensar no próximo. Resgatar as relações humanas, aquelas que não são exatas nem passíveis de dividendos. E exigir que o mercado também se comprometa com o futuro. Não adianta só saber aonde se quer chegar, também é preciso se mover. Ou permaneceremos assim: esperando sentados, ansiosos, solitários e cheios de sacolas. Até que essa nova consciência venha nos resgatar.
_
Texto publicado originalmente na revista Made, em abril de 2015.
Em determinado momento optou-se pelo comércio. O homem foi tirado da posição de centro do desenvolvimento e muitas das relações humanas viraram comerciais.Nossas cidades viraram propaganda. Cultura virou propaganda. Editoriais viraram propaganda. E, desde então, vivemos mergulhados no consumismo.
Não há nada de errado em consumir, o que perturba é o excesso. Quando os desejos borram os limites do bom senso. Quando o egoísmo promove o esquecimento de que somos um grupo e que, se um tem demais, certamente para o outro irá faltar.
Para além das implicações econômicas ou de sustentabilidade, uma das faces mais obscuras dessa nossa época talvez, seja o fato de que o excesso de consumo tirou o homem do centro da sua própria vida, pois a vida virou propaganda. Começamos a acreditar que se não tivermos um like que nos valide, não temos existência. Nessa lógica, ou estamos consumindo ou nos oferecendo para ser consumidos.
E, assim, vivemos de acordo com o comércio. Por mais que possamos acreditar que evoluímos muito desde os primórdios, e até tenhamos espasmos de ética e estética avançada, a sensação é a de que crescemos muito pouco quando o assunto é consciência. E já está na hora de fazer esse exercício.
Precisamos pensar no próximo. Resgatar as relações humanas, aquelas que não são exatas nem passíveis de dividendos. E exigir que o mercado também se comprometa com o futuro. Não adianta só saber aonde se quer chegar, também é preciso se mover. Ou permaneceremos assim: esperando sentados, ansiosos, solitários e cheios de sacolas. Até que essa nova consciência venha nos resgatar.
Comente