Publicidade lowsumer: cultura de cuidado disseminada pela propaganda

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Novos códigos contemporâneos passam a ser incorporados por campanhas publicitárias que promovem a redução do excesso

por Renata Barcellos capa Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol

O conceito de propõe o desenvolvimento de um consumo responsável: adquirir apenas o necessário, e somente após esgotar as possibilidades de troca e conserto. Redefinir o comportamento de consumo a partir destes princípios e implementá-los no cotidiano proporciona melhora na qualidade de vida, uma vez que diminuem a compulsão desenfreada por compras e a ansiedade gerada por este ciclo vicioso, além de desacelerar a escassez de recursos naturais do planeta.

Para repensar consumo é importante diferenciá-lo de consumismo. Colocá-los como equivalentes é o mesmo que dizer que uma pessoa que bebe socialmente é alcoólatra. O consumo é cultural: a indústria comunica a utilidade de um produto para que o público consumidor tenha seu interesse e desejo despertados a partir da compreensão de seu significado. A publicidade, enquanto estratégia de promoção de vendas, é encarregada de unir dois pontos, da produção ao consumo.

Em comentários sobre este tema, frequentemente acusações recaem sobre a influência negativa dos anúncios em nossas vidas. Desta forma, vale tensionar a publicidade para identificar esta condição compulsória: seria ela a grande vilã responsável por desencadear o consumismo que está devastando as pessoas e o planeta? Não é bem assim. É possível pensar o consumo, a publicidade e seu significado simbólico por outra perspectiva.

Origens do consumo

A partir do século XVI, os grupos sociais tradicionais centravam no ambiente doméstico as unidades de produção e consumo. A alimentação era produzida nas propriedades, assim como vestimentas e demais bens. Nesta época, o status social determinava o consumo, e não as escolhas individuais, como acontece hoje.

O comportamento da nobreza, por exemplo, era determinado pelas leis suntuárias, que buscavam estabelecer os costumes e o modo de consumo desta esfera social, com o objetivo de manter a hierarquia das classes. Neste período, o consumo de pátina predominava, pois bens e objetos materiais (por exemplo, a mobília da casa) eram herdados, transmitidos de geração para geração, não havendo necessidade de compra. Também não havia meios de comunicação, por isso não existia apelo publicitário como ferramenta de incentivo ao consumo.

Com a consolidação de movimentos históricos como a instauração da burguesia e, posteriormente, a Primeira Revolução Industrial, as atividades comerciais passaram a nortear valores. Assim, entre os séculos XV e XVIII, instituiu-se o consumo de moda, dominante até hoje. Os consumidores passaram a ter autonomia na escolha dos bens consumidos e puderam personalizar suas escolhas. Houve uma compreensão de que, através do consumo, era possível exercer uma forma de distinção individual.

Propaganda de corset do século XIX
Propaganda de corset do século XIX

A partir da invenção do rádio, no início do século XX, ficou clara a necessidade de financiamento dessa atividade como forma de operacionalizar o processo. Marcas perceberam a oportunidade de promover o consumo e atingir muitas pessoas simultaneamente. Publicidade funcionava como uma moeda de troca: grandes empresas remuneravam as rádios para que estas impulsionassem seus produtos. Inicialmente, este esforço era suficiente para escoar o nível de produção alcançado após a Segunda Revolução Industrial. Entretanto, concorrentes começaram a surgir, estimulados pela efervescência do cenário. Não bastava mais promover produtos, visto que não necessariamente isso seria revertido em venda. Era necessário ir além e persuadir o consumidor a comprar, convencendo-o de que o produto era indispensável, seja de maneira prática ou simbólica.

Publicidade e significado simbólico

A publicidade lança mão de algo que ultrapassa a necessidade do consumidor e o faz desejar adquirir um bem material levado por uma motivação que supera o valor monetário do produto (valor X preço). Se uma pessoa deseja um carro ou uma roupa, e ainda é convencida a comprar mais de um item muitas vezes, parte da responsabilidade se deve ao significado simbólico. O consumidor não compra o produto apenas por sua finalidade, mas também pelo que ele representa — seja por status, aceitação, diferenciação etc. A publicidade articula, então, códigos culturais existentes em na vida social e cria narrativas para que o consumo dê acesso aos valores que nos são caros.

Michaël Borremans
Michaël Borremans

Existem técnicas das quais se vale a publicidade para promover o consumo, pois um de seus objetivos é gerar consciência de marca e, eventualmente, venda. Uma dessas técnicas é a exploração de códigos culturais. Através de uma narrativa envolvente, a publicidade sugere situações de uso, resolve questões ligadas às relações sociais e promove sensações que, invariavelmente, apresentam um enredo cujo final é de resolução, satisfação e contentamento. A publicidade opera como o elo de ligação entre o produto acabado e seu consumo.

Cultura do cuidado

O conceito surgiu a partir da percepção de malefícios ocasionados pelo consumismo exacerbado. Da preocupação com os impactos negativos do excesso nos seres humanos e no meio ambiente emerge uma cultura de cuidado, um chamado à responsabilidade ou despertar de consciência para que se abandone o comportamento automático do desejo de compra. Assim, promove um olhar interno no sentido de perceber quais são as motivações que, muito em breve, nos envergonharão da compulsão por compras e pelo acúmulo de excessos.

A grandeza de propósito deste novo modo de pensar nossa relação com o consumo ganhará força coletivamente a partir do momento que fizer sentido individualmente.

Ainda que não seja de forma massiva, podemos notar o surgimento de movimentos de responsabilidade no consumo. Compreender que, por muitas décadas, fomos automatizados a consumir, coloca em evidência o quanto é necessário desenvolver a consciência de que o consumo supre necessidades, mas não preenche lacunas, vazios ou fissuras existenciais.

Parte importante deste movimento de conscientização cabe aos profissionais de comunicação que, a partir do entendimento e engajamento deste propósito, passam a propor campanhas publicitárias que disseminam esta ideia.

Afinal, Lowsumerism não significa parar de consumir, mas remodelar os desejos e reduzir o excesso. Abarcar estes valores de forma genuína é propor um convite à reflexão. Se o poder de visibilidade e persuasão da publicidade tem potencial para gerar ganhos à sociedade, por que restringí-lo a uma empresa?

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Marcas engajadas no conceito lowsumer contribuem para a construção de um mundo melhor, mais humano e sustentável, sem degradar o meio ambiente ou desrespeitar as pessoas. Produtos e marcas têm a finalidade de servir aos consumidores e intermediar processos criativos e de bem-estar. São os consumidores que estão — e sempre estiveram — no controle. Parte da responsabilidade em manter a cadeia produtiva viva é o consumo. Entretanto, a conscientização lowsumer estabelece outro entendimento sobre como esta cadeia deve funcionar.

A publicidade sempre se apropriou dos valores que são relevantes na sociedade. Olhe ao redor: não há alternativas. É hora de conversar com os consumidores com respeito em relação ao novo modo de enxergar o consumo e veicular mensagens que estejam em consonância com este comportamento consciente.

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Frequentemente acusações recaem sobre a influência negativa da publicidade em nossas vidas. Seria ela a grande vilã responsável por desencadear o consumismo que está devastando as pessoas e o planeta? Não é bem assim. É possível pensar o consumo, a publicidade e seu significado simbólico por outra perspectiva.

Existem técnicas das quais se vale a publicidade para promover o consumo, pois um de seus objetivos é gerar consciência de marca e, eventualmente, venda. Uma dessas técnicas é a exploração de códigos culturais. Através de uma narrativa envolvente, a publicidade sugere situações de uso, resolve questões ligadas às relações sociais e promove sensações que, invariavelmente, apresentam um enredo cujo final é de resolução, satisfação e contentamento. A publicidade opera como o elo de ligação entre o produto acabado e seu consumo.

O conceito Lowsumerism surgiu a partir da percepção de malefícios ocasionados pelo consumismo exacerbado. Da preocupação com os impactos negativos do excesso nos seres humanos e no meio ambiente emerge uma cultura de cuidado, um chamado à responsabilidade ou despertar de consciência para que se abandone o comportamento automático do desejo de compra. Assim, promove um olhar interno no sentido de perceber quais são as motivações que, muito em breve, nos envergonharão da compulsão por compras e pelo acúmulo de excessos.

Parte importante deste movimento de conscientização cabe aos profissionais de comunicação que, a partir do entendimento e engajamento deste propósito, passam a propor campanhas publicitárias que disseminam esta ideia. Afinal, Lowsumerism não significa parar de consumir, mas remodelar os desejos e reduzir o excesso. Abarcar estes valores de forma genuína é propor um convite à reflexão. Se o poder de visibilidade e persuasão da publicidade tem potencial para gerar ganhos à sociedade, por que restringí-lo a uma empresa?

A publicidade sempre se apropriou dos valores que são relevantes na sociedade. Olhe ao redor: não há alternativas. É hora de conversar com os consumidores com respeito em relação ao novo modo de enxergar o consumo e veicular mensagens que estejam em consonância com este comportamento consciente.

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