Vender mais ou vender melhor: publicidade pós-consumismo
Há menos de quinze anos, a internet era um terreno inóspito para a propaganda. Poucos se arriscavam a investir pesado fora das linhas seguras da TV, rádio e jornal. Foi com o norte-americano Alex Bogusky, na época diretor de criação da CP+B, uma das agências mais renomadas do mundo, que a exploração da web como espaço publicitário extrapolou os limites do pop-up.
Bogusky e a CP+B viveram uma década dourada a partir de 2000: arrebanharam tudo que era prêmio, cliente e atenção. Bogusky virou o popstar da indústria e seu processo criativo foi incansavelmente mimetizado até virar a técnica oficial de como se fazer propaganda. Você a experimentou, por exemplo, naquele evento “real” que de tão incrível virou notícia.
Foi então, do topo da pirâmide, que Bogusky vislumbrou o todo. Em 2010, abandonou seu posto na CP+B, deu início a Common, uma aceleradora de marcas locais; lançou campanha contra a Coca-Cola, sua antiga cliente; e fundou a Fearless, uma agência de impacto social. Em dois ou três movimentos, Bogusky foi de publicitário mais reconhecido do mundo para ativista low-profile em busca de alternativas ao consumismo. Este é apenas um caso, e Bogusky provavelmente é o mais icônico deles, de publicitários rebeldes.
Carentes de uma atividade mais livre e significativa e atentos ao novo cenário que se desenha em torno do consumo, eles não largam a publicidade, mas a questionam e a modificam com o intuito de transformá-la de dentro para fora.
A alma do negócio medita
Em 1995, quando escreveu A Publicidade É Um Cadáver Que Nos Sorri, afrontar a indústria da propaganda era acima de tudo uma questão estética: uma resistência ao universo cor-de-rosa do comercial. Mas ao longo dos anos 2000, os problemas reais do modelo consumista bateram na porta até da família Doriana. Hoje, como sinalizaram o e o , ficou claro que superar a lógica do hiperconsumo tornou-se, além de estética, uma questão física. Tanto pra nós, quanto pro planeta.
Desperdício e escassez de recursos, condições desumanas de trabalho e concentração de riqueza são alguns dos sinais de esgotamento do consumismo. Mas se o que vem a seguir é a desaceleração do consumo, ao que se pode dedicar a propaganda?
Marcello Serpa não ficou para saber a resposta. Serpa é o Bogusky brasileiro. Durante os anos 90 e 2000, ele foi uma figura emblemática na publicidade nacional e, recentemente, deixou aberta a vaga de diretor de criação da AlmapBBDO. Apesar de (ainda) não ter se jogado a incursões alternativas como Bogusky, Serpa cedeu uma entrevista à revista Trip e disse:
“No século 20, surge a obsolescência programada, e com ela a palavra ‘inovação’, que para todo mundo hoje é um altar, uma religião, um mantra. (…) A publicidade, como sempre, é apenas a ponta do processo, ela reflete isso. (…) A mesma sociedade que se questiona sobre seu destino e sobrevivência no planeta é a que leva ao limite a ideia de inovação, com produtos que devem ser substituídos e superados a cada dia, numa velocidade cada vez maior. São discursos completamente antagônicos.”
Na mesma batida, os publicitários , em território nacional, e Dave Trott, no inglês, também não se abstém do estudo de si mesmo. Ambos trabalham em agências e, por meio de seus blogs, desmascaram os vícios de uma indústria entrelaçada demais com as leis do consumismo: o lucro a qualquer custo, os dogmas passageiros, o desperdício de recursos e trabalho.
De qualquer forma, como fica o fazer publicidade nessa nova disposição? Como seria uma agência que continua na ativa, trabalhando com marcas, mas que questiona os fundamentos do hiper-consumo?
Revolução sutil
A KesselsKramer foi inaugurada em 1995 em Amsterdã, onde opera dentro de uma antiga igreja. Seus fundadores, Erik Kessels e Johan Kramer, abandonaram a agência tradicional em que trabalhavam para criar sua própria. Em 2012, lançaram um livro chamado Advertising For People Who Don’t Like Advertising.
Entre os alvos da KesselsKramer, estão a operação interna da agência (na empresa não há gerentes de conta/atendimentos), a corrida pelo sucesso e a estética impecável.
“Normalmente publicidade é sobre fazer tudo 100% perfeito. Não há erros, tudo e todos não possuem um defeito. Mas é muito mais interessante ter uma grande falha em um anúncio, ou colocar pessoas que não são maquiadas e idealizadas. Dessa maneira, reconhecemos a nós mesmos.” — Erik Kessels
Por mais inevitável que seja chamar a KesselsKramer de uma agência disruptiva, vale notar que termos como disrupção e revolução estão sendo usados à revelia e com certo estardalhaço. Contudo, um olhar atento para as atitudes de Bogusky, Serpa, Kassu, Trott, Kessels e Kramer revela que a verdadeira mudança navega quase que discretamente, negando-se aos holofotes e à obesidade corporativa.
E só poderia ser assim, já que a carência é por uma economia voltada ao essencial, ao simples, ao natural. Carência tão geral que nem mesmo grandes corporações conseguiram ficar alheias. Entretanto, elas só conseguiram interpretar o cenário dentro das suas limitações.
Ruído de comunicação
Em A Queda da Propaganda (2003), o guru das Relações Públicas Al Ries escreveu “se a única ferramenta da sua caixa de ferramentas é um martelo, todo problema parece um prego”. Ele se referia à dificuldade da publicidade em pensar fora do esquema TV, rádio e jornal, mas a mesma frase ilustra o desafio que grandes agências e empresas enfrentam para se adaptar ao consumo consciente.
Storytelling foi um termo usado a exaustão no início desta década e indicava que a publicidade devia se valer das técnicas dos contadores de histórias para conquistar consumidores. Na verdade, este fenômeno nada mais foi do que uma reação da indústria à atenção crescente que as pessoas passaram a dar a produtos locais, mais genuínos e menos pausterizados. Esses sim tinham, ao natural, uma história por trás da sua confecção, enquanto marcas nacionais e globais normalmente vêem seus produtos nascer nas pouco românticas linhas de produção.
O artificial, o industrial, o feito em série, passou a ser visto com cara feia. Transformar-se é tarefa árdua para grandes agências e empresas, devido ao tamanho das suas operações e especialmente porque dessa vez não se trata de discurso, mas de ação.
Ao atuar apenas no campo do discurso, a indústria deu luz ao storytelling e a episódios como dos sorvetes Diletto e dos sucos Do Bem, marcas com histórias corretas, simpáticas e de pura fantasia.
Os últimos passos da velha propaganda
Em Adland: A Global History of Advertising (2007), Mark Tungate constatou que “se a história da publicidade tem um tema, é uma guerra constante entre duas escolas: os criativos, que acreditam que a arte inspira consumidores a comprar; e os pragmáticos, que vendem baseados em fatos e surgem armados com pesquisas”.
Talvez no próximo capítulo da história da publicidade, o duelo será entre duas escolas: uma que quer vender mais e outra que quer vender melhor.
Sim, vender. Porque não é como se os nossos desejos materiais fossem impostos. O que está em jogo aqui é o modelo baseado na oferta e demanda de “desnessidades”.
Se aliada ao consumismo, a publicidade ganhou sua fama de intrometida, repetitiva e manipuladora, aliada ao consumo consciente, ela tem a chance de vasculhar e promover novas formas de operar. Em A History of Advertising (2008), David Droga, então diretor criativo da Publicis, escreveu um texto intitulado “O não é mais difícil que o sim”:
“Nós temos que garantir que a indústria da propaganda não seja seduzida pela própria esperteza. Por sinal, em que ponto nós cruzamos a linha tênue entre comunicação engenhosa e marketing intrusivo? (…) Entender os consumidores significa muito mais do que saber como e quando falar com eles. Também significa saber quando não falar. Soluções precisam de opções. Mas opções não são soluções.”
Enquanto as oportunidades para uma comunicação ainda mais intensa estão aí, Droga dá um passo atrás. Sua postura é um não à era dos excessos. É um não à economia baseada no , é um não à ideia do consumo como balizador de toda nossa vida.
O Lowsumerism é, acima de tudo, um movimento de retorno ao essencial. Neste artigo, a publicitária Jasmine De Bruyker expõe traços da tendência ao encorajar que empresas se empenhem mais no seu ofício do que em espetáculo:
“Se você é uma empresa, preste atenção: em vez de jogar dinheiro em mais uma campanha, volte à noção original de marca. (…) Não coloque um novo produto no mercado se ele não é intrinsecamente melhor ou mais durável do que já existe. Nós não precisamos de mais branding; nós precisamos de menos produtos com mais qualidade.”
Mas e se você é uma agência? Bom, talvez seja hora de dizer mais nãos. Hora de valorizar a comunicação coesa, honesta e útil em vez da hiperbólica e viralizada. Hora de dar mais atenção a sua comunidade e suas carências em vez de importar modelos de sucesso. Hora de sintonizar a publicidade que você faz com as urgências do real.
Desperdício e escassez de recursos, condições desumanas de trabalho e concentração de riqueza são alguns dos sinais de esgotamento do consumismo. Mas se o que vem a seguir é a desaceleração do consumo, ao que se pode dedicar a propaganda?
Carentes de uma atividade mais livre e significativa e atentos ao novo cenário que se desenha em torno do consumo, os publicitários rebeldes não largam a propaganda, mas a questionam e a modificam com o intuito de transformá-la de dentro para fora.
Mas como seria uma agência que continua na ativa, trabalhando com marcas, mas que questiona os fundamentos do hiper-consumo? Afinal, a dificuldade da publicidade em pensar fora do esquema TV, rádio e jornal, é a mesma que grandes empresas enfrentam para se adaptar ao consumo consciente.
Um olhar atento para as atitudes de profissionais como Bogusky, Serpa, Kassu, Trott, Kessels e Kramer revela que a verdadeira mudança navega quase que discretamente, negando-se aos holofotes e à obesidade corporativa. A postura é de negação à era dos excessos. É um não à economia baseada no crescimento pelo crescimento, é um não à ideia do consumo como balizador de toda nossa vida.
O artificial, o industrial, o feito em série, passou a ser visto com cara feia. Transformar-se é tarefa árdua porque, dessa vez, não se trata de discurso, mas de ação. Hora de valorizar a comunicação coesa, honesta e útil em vez da hiperbólica e viralizada. Hora de dar mais atenção à comunidade e suas carências em vez de importar modelos de sucesso. Hora de sintonizar a publicidade que você faz com as urgências do real.
Talvez no próximo capítulo da história da publicidade, o duelo será entre duas escolas: uma que quer vender mais e outra que quer vender melhor.
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