Um dos convites da 32ª Bienal de São Paulo é para a desaprendizagem: rever todas as categorias do que é saber, valor, central. Um passeio pelos pavilhões revela onde os artistas foram buscar repertório para seus trabalhos: nos interiores, nas ribeiras, nas plantações. A exposição contempla Brasis, Américas, Áfricas e tantos de nós, que estamos incertos e vivos neste mundo contemporâneo.
A vulnerabilidade sugerida pelo “nu artístico”, que apresenta o feminino sob uma ótica masculina e castradora, opõe-se ao poder do “nude”, que desafia a norma e reforça o controle da mulher sobre sua própria imagem e sexualidade. Existe valor no selfie criado e compartilhado online. Agora, mais do que nunca, existe a oportunidade de construir a cultura visual do amanhã, sob uma nova perspectiva — a feminina.
Para a artista Marina Abramovic, que sempre desafiou os limites entre corpo e arte, o Brasil é um repositório infinito de ideias, sentidos e sentimentos. No documentário “Espaço Além”, vemos um retrato profundo do país, absolutamente necessário para uma época crítica como a que vivemos. Trata-se um “Brasil interior” que revela a verdadeira vocação de nossa nação: ser um centro da nova espiritualidade e religiosidade mundial.
Os abusos sofridos por atores pornô e o público cada vez mais consciente impulsionam o movimento pós-pornô, que mistura arte e política. Vídeos e performances sexualmente explícitos têm como fim não a masturbação, mas a crítica às amarras da sexualidade e à própria indústria pornográfica.
Na tecno-cultura contemporânea, envelhecem as tecnologias que incorporam valores dualistas e utilizam-se de estereótipos depreciativos. Em seu lugar, brilham experimentações que virtualizam a identidade humana e expandem a multiplicidade das representações. O desenvolvimento biotecnológico enxerga o gênero como uma restrição limitadora para o potencial humano.
Em uma sociedade pré-digital, a diferença estética entre os sexos podia até fazer sentido. Porém, hoje vivemos padrões muito mais complexos de comportamento, que têm reflexos em diversos campos, incluindo a tecnologia. Está por vir uma realidade mais compatível com nós mesmos, que não pode ser categorizada, reflexo da cyber era da desmaterialização.
Peças teatrais inovadoras tem sido responsáveis por reacender o gosto do público por este tipo de entretenimento, fisgando o interesse das pessoas pelo ângulo do teatro imersivo. Tratam-se de peças que fazem o espectador se inserir tão profundamente na ficção que pouco resta da experiência convencional de uma peça. É uma tendência que surge no contrafluxo do conteúdo cultural contemporâneo, oferecido majoritariamente online. Mais do que uma interação entre elenco e plateia, o teatro imersivo dilui as fronteiras entre realidade e fantasia.
No contexto de super-exposição da Internet, é crescente o contra-movimento que vê a impermanência como medida para proteger a privacidade. A informação com curto prazo de validade se torna uma poderosa ferramenta de comunicação, e seu valor é exatamente a evanescência. Quando tudo pode ser trackeado, camuflar-se passa a ser um desejo coletivo que torna valioso qualquer exercício de efemeridade.
A quietude tem sido vista como medida essencial para resgatar o equilíbrio e a criatividade pessoal, dando novo status ao silêncio. A valorização da meditação na cultura de massa é uma das evidências dessa corrente, que naturalmente passa a influenciar as relações de consumo. O conceito de No Noise Branding prova que, muita vezes, silenciar comunica mais do que falar.
Foco e contemplação são características pouco presentes nessa geração, que cresceu em um contexto multitasking e tem como comportamento vigente a ausência de linearidade: um reflexo da Internet. Porém, uma crescente minoria se convence de que criatividade e atenção são irmãs siamesas. Hoje, observa-se um contra-movimento comportamental que prega o monotasking como a solução para uma vida com mais memórias, saúde e dedicação.
A inteligência artificial e os ciborgues são a expressão mais extrema da conciliação entre máquinas e nosso cotidiano. O homem contemporâneo tem alto poder de transformação. Ele é de carne, osso e, se assim desejar, de componentes eletrônicos. Ao contrário do que se pode pensar, o cenário em que vivem os ciborgues não é um clichê prateado futurístico.
O princípio comportamental e estético que caracteriza os tempos digitais se chama Databending. Trata-se da sobreposição de camadas de dados que altera significativamente a forma como a realidade é vista e manipulada. Esse movimento provoca a refletir sobre como a mistura de linguagens e universos gera um mundo mais interessante, exatamente porque ele se encontra na fissura entre o real e o imaginário.
Hoje, como nunca antes na história dos avanços tecnológicos, experiências estéticas criadas por máquinas são valorizadas por seu teor artístico. A exportação de elementos imagéticos do universo digital nunca esteve tão presente no plano físico. O termo The New Aesthetic se refere à invasão no mundo real da linguagem visual própria dos meios digitais. Trata-se da maneira como as máquinas veem e entendem o mundo real, e também como o mundo real vê e entende a estética produzida pelas máquinas.
A arte que provoca reações avessas aos padrões de belo é importante porque justamente ela é a responsável por quebrar paradigmas e redefinir os rumos da humanidade. Ao longo da História, cada época se escandalizou com alguma manifestação estética. Mas o inaceitável de ontem é o bem aceito de hoje. Atualmente, parece que já se viu de tudo e torna-se mais rara a estética capaz de chocar.