Erupções digitais no mundo físico
Hoje, como nunca antes na história dos avanços tecnológicos, experiências estéticas criadas por máquinas são valorizadas por seu teor artístico. A exportação de elementos imagéticos do universo digital nunca esteve tão presente no plano físico.
Em 2012, durante uma palestra no South By Shoutwest, o jornalista e artista James Bridle cunhou o termo The New Aesthetic para se referir à invasão no mundo real da linguagem visual própria dos meios digitais. Trata-se do típico movimento de arte vanguardista que uma sociedade em rede poderia conceber.
Na Nova Estética, a realidade é processada através das lentes da tecnologia. Na prática, isso significa imagens pixeladas, glitches de Photoshop, gradientes, gifs animados, renderizações extremas e sobreposições alucinantes.
Na teoria, é algo muito maior: a maneira como as máquinas veem e entendem o mundo real, e também como o mundo real vê e entende a estética produzida pelas máquinas.
Em uma entrevista para a revista Select, Bridle comentou: “Minha pesquisa sobre a nova estética não surgiu e nem foi centrada no mundo da arte. Enquanto eu tomava exemplos da arte contemporânea para apresentar o tema, tomava outros de praticamente todas as esferas da vida, da tecnologia ao design gráfico, da moda à publicidade, da cultura bélica à cultura de consumo, da literatura às notícias. Pessoalmente, acho que a nova estética está fora do que a crítica de arte historicamente considera como movimento. Chamar a nova estética de movimento confunde as coisas, pois implica que seja algo a ser seguido ou atacado, o que é inútil e contraproducente.”
Bridle tem uma de exemplos que dificultam a vida de quem se mostra descrente de seu raciocínio. São imagens, obras e referências que mostram que a Nova Estética está muito além apenas da questão artística. A aparência serve como metáfora para entender e comunicar a experiência de um mundo no qual a Nova Estética já está difusa.
Em um longo artigo, a revista Wired defende o New Aesthetic como um movimento inédito e impactante, assim como foi a fotografia para os impressionistas franceses, ou o cinema mudo para os construtivistas russos, ou as abstrações para os futuristas italianos. Entretanto, seu problema estaria na sua institucionalização: transformou-se em uma ESTÉTICA, mesmo quando não tinha essa ambição.
A Nova Estética faz cair aquela ficha que ajuda a enxergar fragmentos do que já sabíamos que existia: hardware e software que, por estarem ocultos, parecem esquecidos ou inexistentes. É como encontrar a sombra de um avião no Google Maps. Apesar de óbvio, esquecemos de pensar que câmeras estão voando sobre nós o tempo todo, registrando os mínimos detalhes da nossa vida.
Em uma série de fotografias intitulada 9-eyes, o artista canadense Jon Rafman coleciona cenas curiosas pinçadas em andanças virtuais pelo Google Street View. São imagens que exemplificam bem o conceito de New Aesthetic: não se trata da representação visual, mas sim do resíduo incidental de uma performance ou um processo.
Este processo nunca esteve interessado em alcançar uma "imagem da Nova Estética", uma vez que esta imagem nada mais é do que o processo em si.
No manifesto da New Aesthetic, fala-se de como experiência e consciência são relacionadas. Toda estética nasce a partir de uma experiência e, então, atinge e ecoa na consciência. Se não há consciência a que se pode chegar, não há estética. Dessa forma, falar de estética é, inevitavelmente, falar de seres humanos.
Um defeito que deu certo
Antes de tudo isso, bugs e defeitos tecnológicos já eram um campo fértil para os estímulos visuais. A Glitch Art se aproveita do mau funcionamento de uma programação computacional para propor efeitos estéticos oriundos do erro. É a arte da imperfeição.
O artista-hacker Glitchr, pseudônimo de Laimonas Zakas, altera a programação do Facebook através de brechas em seu códigos. Uma espécie de glitch-graffiti. Sua é sua maior obra.
Apesar de ser um dado impreciso ou subjetivo demais, pode-se dizer que a Glitch Art existe conceitualmente desde 2005. Segundo a artista holandesa Rosa Menkman, foi quando ela percebeu que o mundo digital não consistia apenas na busca da perfeição e oferecia infinitas opções de atuação dentro dos erros e dos defeitos.
“A primeira vez que vislumbrei o glitch como possibilidade artística foi em 2005, quando visitei a exposição World Wide Wrong, do coletivo belga-holandês Jodi, em Amsterdam”, conta a autora do livro “The Glitch Moment”.
Esses defeitos das máquinas tem origem na nostalgia de um passado recente, quando a tecnologia era menos precisa. São pedaços de passado que nos fazem lembrar que a comunicação era bem menos “perfeita” do que hoje. Uma fita VHS não proporcionava a nitidez das gravações atuais; uma televisão não exibia uma tela azul quando o canal estava fora do ar.
O amadorismo, por um viés nostálgico, ganha status de arte.
Teóricos do assunto percebem duas correntes no glitch: pure e alike. Pure glitch é aquele que surge de um mau funcionamento, ou seja, o glitch em seu estado mais bruto, resultado de um erro não-intencional e acidental. Glitch-alike, por sua vez, é um artefato digital que se assemelha aos erros reais. Uma representação planejada e manipulada do glitch — mas não por isso menos interessante.
Solidificado como expressão estética, o glitch vem extrapolando a difícil barreira que existe entre arte conceitual e cultura pop (e, consequentemente, mercado de consumo). Esse gatilho foi disparado por volta de 2010, quando Kanye West lançou o clipe de Welcome To The Heartbreak com imagens distorcidas e pixels estourando por toda a parte. De lá pra cá, o glitch atingiu distorções cada vez mais hipnotizantes.
O rapper Yung Lean assume o glitch como parte da cultura da sua geração. Existe uma espécie de afeição ao glitch como parte do seu repertório pessoal.
Em suma, glitch é um acidente feliz.
Nos últimos cinco anos, o glitch vem se tornando mais acessível e evoluindo como conceito estético, saindo do digital e aparecendo no mundo físico. São diferentes realidades que já parecem uma só. Este jogo torna impossível querer distinguir on e off: essa transição se dá de maneira totalmente intrínseca uma a outra.
Insiders dirão que glitch é “old”, mas mesmo assim é seguro afirmar que ainda veremos muitos desdobramentos e evoluções destas propostas na próxima década. Seu impacto no design contemporâneo contribuiu de maneira decisiva para o que será no futuro reconhecido como o “padrão vigente dos anos 2010”.
Tanto New Aesthetic quanto Glitch Art são conceitos que atacam diretamente o coração do mito modernista de que o homem é o mestre de todas as coisas. Como disse Jacques Derrida, em 1967:
“O futuro somente pode ser antecipado com a certeza do risco. É isso que rompe decisivamente com a normalidade instituída, e que só pode ser considerada uma espécie de monstruosidade.”
Não temamos, então, a monstruosidade do erro.
Hoje, como nunca antes na história dos avanços tecnológicos, experiências estéticas criadas por máquinas são valorizadas por seu teor artístico. A exportação de elementos imagéticos do universo digital nunca esteve tão presente no plano físico.
O jornalista e artista James Bridle cunhou o termo The New Aesthetic para se referir à invasão no mundo real da linguagem visual própria dos meios digitais. Na prática, isso significa imagens pixeladas, glitches de Photoshop, renderizações extremas e sobreposições alucinantes. Na teoria, é algo muito maior: a maneira como as máquinas veem e entendem o mundo real, e também como o mundo real vê e entende a estética produzida pelas máquinas.
Apesar de o New Aesthetic ser defendido como um movimento inédito e impactante, seu problema estaria na sua institucionalização: transformou-se em uma ESTÉTICA mesmo quando não tinha essa ambição.
Sua origem está no Glitch Art, a estética que se aproveita do mau funcionamento de uma programação computacional para propor efeitos visuais oriundos do erro. É a arte da imperfeição, dos defeitos das máquinas de um passado recente, quando a tecnologia era menos precisa. O amadorismo, por um viés nostálgico, ganha status de arte.
Nos últimos cinco anos, o glitch vem se tornando mais acessível, saindo do digital e aparecendo no mundo físico. Seu impacto no design contemporâneo contribuiu de maneira decisiva para o que será no futuro reconhecido como o “padrão vigente dos anos 2010”.
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