Sobreposição de realidades
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Arquivos de um determinado formato manipulados com um software para edição de arquivos de formatos diferentes. Esse processo chama-se Databending. É abrir uma imagem no bloco de notas e utilizar o arquivo corrompido como forma de expressão. Essa é a origem de qualquer trabalho de linguagens como glich art e glitch sounds.
Em um sentido mais amplo, esse movimento significa a combinação de dados brutos para criar novos conteúdos. Essa mistura começa como ferramenta para manipular informação, mas toma dimensões maiores, produzindo novas linguagens e interpretações da realidade. Trata-se do princípio comportamental e estético que caracteriza os tempos digitais.
A mentalidade do Databending possui expressões muito didáticas, como colagens físicas, digitais e 3D. O fato de essa linguagem ser amplamente utilizada na atualidade é a manifestação de uma lógica que utiliza a junção de camadas para alterar e criar significados. É isso que faz de Databending o centro da tendência Playing Reality.
Claro que a ordem de sobrepor elementos para gerar entendimentos diferentes não é algo novo. O movimento de Culture Jamming, surgido nos anos 1980, foi um exemplo dessa mentalidade. Grafiteiros e artistas de guerrilha realizavam intervenções em outdoors e pôsteres publicitários como uma forma de subverter a cultura mainstream.
Essa combinação de signos intencionalmente ruidosa possui ecos muito relevantes até hoje, como o trabalho do artista Doug Abraham. Excluído do mais de 4 vezes, Doug tem reunido uma legião de fãs — e inimigos — por combinar fragmentos de anúncios de grandes marcas da moda em imagens provocadoras.
A combinação de realidades e interfaces é também a base de todos os artistas relacionados ao movimento Post-Internet Art. O nome do movimento não significa que chegamos ao fim da era dos bits e sim que transcendemos o paradoxo on-off para conviver com novas possibilidades para a arte.
Criado em 2012 pela curadora Karen Archey e pelo galerista Robin Peckham, o termo post-Internet se refere a uma geração de artistas como Cory Arcangel que utilizam ferramentas digitais como principal meio de expressão para criar objetos físicos. A combinação de técnicas e expressões artísticas é, em diferentes instâncias, uma forma precisa de questionar a materialidade e a nossa percepção da realidade.
Tudo isso é reflexo do comportamento não linear e fragmentado que pauta o contemporâneo. Da estética interrompida à realidade aumentada, a sobreposição de camadas de dados altera significativamente a forma como as pessoas enxergam e manipulam a realidade.
O Google Ingress é mais uma expressão poderosa dessa tendência. No polêmico game desenvolvido pela Niantic Labs, startup do Google, times rivais se locomovem fisicamente pela cidade, coletando materiais e conquistando portais. A lógica é semelhante à dos check-ins do Foursquare, e os portais são visíveis somente através de smartphones. Para os gamers de ARG (Alternate Reality Games), o mundo real é o jogo, e vice-versa. Distinções entre on e off são obsoletas e inúteis aqui. Com mais de um milhão de jogadores, os times promovem encontros reais para debater táticas de combate, o que tem feito com que os jogadores do Ingress sejam comparados a devotos fieis de seitas religiosas.
Mas o Ingress é apenas um primeiro passo em experiências imersivas. Dizem por aí que o Oculus Rift é uma inovação tão relevante quanto o smartphone foi há uma década atrás. Além de infinitas possibilidades para os games, o device de realidade virtual imersiva poderá potencializar simulações de guerras e até procedimentos médicos. A combinação de universos simula uma realidade.
Talvez o exemplo mais claro da lógica Databending seja HER, o filme de Spike Jonze em que o personagem principal, Theodore, se apaixona pelo seu sistema operacional, Samantha. Além de ser um tratado sobre as relações íntimas no contemporâneo, HER é muito eficiente em mostrar o funcionamento de um cotidiano em que devices e dados são totalmente integrados à realidade. O longa-metragem é um exemplo claro de como não importa quais camadas — ou planos de existência — estão sobrepostos. O que importa é o efeito que essa combinação pode produzir na vida das pessoas.
Databending é a essência de uma mentalidade que toma a combinação de diversos planos físicos e imateriais como o elemento central de uma nova realidade. Esse movimento provoca a refletir sobre como a mistura de linguagens e universos gera um mundo mais interessante, exatamente porque ele se encontra na fissura entre o real e o imaginário.
Databending é o sonho lúcido de bits físicos em que nem tudo precisa fazer sentido. Nessa ordem, sobrepor camadas é uma forma de transcender a dualidade entre online e offline. Afinal, a sobreposição de camadas produz uma realidade mais incerta, divertida e poética.
Arquivos de um determinado formato manipulados com um software para edição de arquivos de formatos diferentes: esse processo chama-se Databending. É abrir uma imagem no bloco de notas e utilizar o arquivo corrompido como forma de expressão. Essa é a origem de qualquer trabalho de linguagens como glich art e glitch sounds.
Em um sentido mais amplo, esse movimento significa a combinação de dados brutos para criar novos conteúdos. Essa mistura começa como ferramenta para manipular informação, mas toma dimensões maiores, produzindo novas linguagens e interpretações da realidade. Trata-se do princípio comportamental e estético que caracteriza os tempos digitais.
Tudo isso é reflexo do comportamento não linear e fragmentado que pauta o contemporâneo. Da estética interrompida à realidade aumentada, a sobreposição de camadas de dados altera significativamente a forma como as pessoas enxergam e manipulam a realidade.
Databending é a essência de uma mentalidade que toma a combinação de diversos planos físicos e imateriais como o elemento central de uma nova realidade. Esse movimento provoca a refletir sobre como a mistura de linguagens e universos gera um mundo mais interessante, exatamente porque ele se encontra na fissura entre o real e o imaginário. Databending é o sonho lúcido de bits físicos em que nem tudo precisa fazer sentido. Afinal, a sobreposição de camadas produz uma realidade mais incerta, divertida e poética.
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