Por que comprar está voltando a ser um ato social

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A volta de antigos hábitos de compra reestabelecem relações perdidas devido aos frágeis laços digitais

por Matheus Minella Sgarioni capa Jamie Lorriman

Se podemos listar inúmeras vantagens advindas da globalização, também identificamos pontos negativos, como a consolidação de modos de consumo standard, que banalizaram o ato de compra e abreviaram sua complexidade. Com um clique, encomendamos produtos de países tão distantes como a China. Através de plataformas colaborativas, podemos reservar um apartamento em Nova York em poucos minutos. Podemos contratar alguém para limpar nossa casa através de sites especializados ou mesmo vender nossos bens ou serviços a desconhecidos pela internet.

As possibilidades oferecidas pela capilaridade da Internet nos fascinam devido à praticidade que inserem em nosso dia a dia. Comprar nunca foi tão fácil, mas as inovações que tanto facilitam nossa vida também acabam por nos deixar mais isolados. Nossos atos de compra e hábitos de consumo são, hoje, testemunhas cotidianas de que a vida pode acontecer, cada vez mais, distante do outro. Estaríamos mais solitários.

Alexey Kondakov
Alexey Kondakov

Talvez o maior expoente desta tendência seja o recente . Trata-se de um botão móvel, que deve ser posicionado dentro de casa. O slogan “Place it. Press it. Get it.” ilustra como comprar virou um gesto acéfalo, instantâneo. Para compras habituais, basta pressionar o botão quando algum produto estiver chegando ao fim e confirmar a transação no app da Amazon. Os itens são entregues através dos correios, mas a Amazon pretende, num futuro próximo, operar suas entregas a partir do serviço de Prime Air.

Com a barriga no balcão

Como efeito esperado, a globalização de modos de consumo universais trouxe consigo uma contraface que valoriza os regionalismos — e com isso, a volta de hábitos de compra ligados a valores locais e tradicionais. Rituais como frequentar o barbeiro do bairro ou adquirir alimentos em feiras locais tornou-se uma forma de fortalecer o contato tête-à-tête que foi perdido com o advento dos meios digitais.

O Instituto Chão é um espaço voltado para o consumo consciente, que prima pela convivência e pela promoção de relações mais próximas entre fornecedores, revendedores e compradores de produtos orgânicos. — foto: Coisos On The Go

Reestabelecer relações perdidas graças aos frágeis e impessoais laços digitais parece ser um comportamento emergente nos grandes centros urbanos — uma vez que esse tipo de hábito nunca saiu de moda em comunidades rurais ou em cidades pequenas. Com a compra pessoal e local podemos voltar a jogar conversa fora com nossos vizinhos. Agora, queremos saber sobre a origem dos produtos que consumimos, sobre a história de uma marca, sobre seu processo de produção. Queremos falar e fazer parte desse mundo de narrativas que passam a habitar a cidade.

Voltar a andar de bicicleta, optar pela compra de produtos regionais e apropriar-se de códigos culturais da estética retrô são hábitos contemporâneos que refletem o quanto as pessoas têm valorizado o que supõem compor um passado perdido.

Assim, a busca por autenticidade traduz-se no consumo autoral, menos imposto pela moda e pelo mercado global.
Karen Pezolito
Karen Pezolito

A infestação do mercado com produtos fabricados em massa e os processos virtuais de compra criaram um ambiente estéril e frio que, aos poucos, está voltando a ser povoado pelo lado humano das interações sociais.

A Tribo Viva é um exemplo disso. Trata-se de uma rede de consumo colaborativo que engaja seus consumidores a serem partícipes também no transporte dos alimentos orgânicos produzidos na região metropolitana de Porto Alegre.

Feiras de trocas, que promovem o intercâmbio de bens entre as pessoas, sem envolver transações financeiras, espalham-se pelas principais cidades do Brasil. A relação com o tempo, acelerada pelo acesso instantâneo à informação e pela pressa organizacional que domina os grandes centros urbanos está dando espaço à calma de um bom dedo de prosa.

O Mercado da Minhoca ocorre mensalmente sobre o Minhocão, no trecho que fica próxima à praça Roosevelt, em São Paulo.

Feira afora

Fugir da compulsividade em nosso contato com o mundo é um desafio que exige alguma reflexão. A desaceleração faz com que percebamos o outro que está diante de nós, afinal de contas fazer compras não é um ato solitário. Desde os primórdios do comércio, negociar é um ato social, um encontro. Para povos árabes, o processo de negociação possui um valor imenso; não pechinchar ou simplesmente aceitar o preço proposto pode significar uma ofensa.

Quem compra quer saber, ouvir, falar, ser cativado pela história das mercadorias e dela também se apropriar. Caminhar em nosso bairro, conhecer o dono da padaria e conversar sobre novos produtos cria um espaço de mediação em que as trocas entre as partes não são apenas materiais, mas também simbólicas. Isso aquece as conexões entre cidadãos, que passam de consumidores a protagonistas de uma experiência compartilhada.

O nevoeiro causado pelo furor digital e comercial parece começar a se dissipar, a saturação dos modos de vida ligados ao ensimesmamento consumista e ao enclausuramento hermético dos shopping centers dá lugar a novas formas de consumo, mais orgânicas e com propósitos participativos.

Resgatamos o calor dos encontros humanos criando experiências genuínas de troca. A mercadoria que consumimos tornou-se apenas uma parte do amplo sistema de significações que nos constitui enquanto indivíduos pertencentes a um laço social. O comércio tem se mostrado, cada vez mais, uma via de aproximação e de avizinhamento, transcendendo a conveniência na hora da compra e gerando novos valores comunitários.

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A consolidação de modos de consumo standard banalizaram o ato de compra. Com um clique, encomendamos produtos de países tão distantes como a China. Comprar nunca foi tão fácil, mas as inovações que tanto facilitam nossa vida também acabam por nos deixar mais isolados. Nossos atos de compra e hábitos de consumo são, hoje, testemunhas cotidianas de que a vida pode acontecer, cada vez mais, distante do outro. Estaríamos mais solitários.

Como efeito esperado, a globalização trouxe consigo uma contraface que valoriza os regionalismos — e com isso, a volta de hábitos de compra ligados a valores locais e tradicionais. Rituais como frequentar o barbeiro do bairro ou adquirir alimentos em feiras locais tornou-se uma forma de fortalecer o contato tête-à-tête que foi perdido com o advento dos meios digitais. Reestabelecer relações perdidas graças aos frágeis e impessoais laços digitais parece ser um comportamento emergente nos grandes centros urbanos.

Voltar a andar de bicicleta, optar pela compra de produtos regionais e apropriar-se de códigos culturais da estética retrô são hábitos contemporâneos que refletem o quanto as pessoas têm valorizado o que supõem compor um passado perdido. Assim, a busca por autenticidade traduz-se no consumo autoral, menos imposto pela moda e pelo mercado global.

Feiras de trocas, que promovem o intercâmbio de bens entre as pessoas, sem envolver transações financeiras, espalham-se pelas principais cidades do Brasil. O nevoeiro causado pelo furor digital e comercial parece começar a se dissipar, a saturação dos modos de vida ligados ao ensimesmamento consumista e ao enclausuramento hermético dos shopping centers dá lugar a novas formas de consumo, mais orgânicas e com propósitos participativos. O comércio tem se mostrado, cada vez mais, uma via de aproximação e de avizinhamento, transcendendo a conveniência na hora da compra e gerando novos valores comunitários.

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