NORMCORE não é o que você pensa – menos ainda o que você veste!

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Antigamente as pessoas nasciam em comunidade e tinham de buscar a sua individualidade — hoje, as pessoas nascem como indivíduos e precisam buscar as suas comunidades

por João Paulo Cavalcanti

O termo NORMCORE, que a BOX1824 criou junto com o coletivo K-hole, já foi apresentado e discutido em mais de 5.000 artigos e notícias publicados por alguns dos maiores veículos do mundo tais como The Guardian, New York Mag, The Atlantic, Vogue, Vanity Fair, etc. No Brasil, alguns veículos, seguindo a tendência dos publicadores americanos, também deram a sua mordida no conceito. Muitas celebridades foram evocadas para tentar explicar o fenômeno NORMCORE, de Jerry Seinfeld a Barack Obama. Mas ter quase sido escolhida como a palavra do ano de 2014 pelo Oxford English Dictionary no seu respeitado concurso Word of the Year foi, sem dúvida, o maior dos êxitos para o termo criado em nosso estudo. Um ano passado o hype do NORMCORE pouco se compreendeu sobre essa NOÇÃO cultural. Tanto que alguns veículos já prevêem a sua morte em detrimento de um novo movimento estético. Apesar do artigo citado estar embasado no novo trabalho dos co-criadores do termo, posso dizer como um dos participantes da criação deste conceito que estes veículos não entenderam nada!

Tentando juntar as perspectivas da maior parte dos artigos escritos para chegar em um denominador comum, podemos dizer que: NORMCORE é ser normal. Por um ângulo ainda mais objetivo ser NORMCORE é vestir-se normalmente e agir de modo comum. Tudo isso, claro, arquitetado de forma minuciosa. É como os antigos cabelos metrosexuais — “milimetricamente bagunçados”. Agora parece que as novas gerações estão buscando o “milimetricamente normal” como forma de protesto. Normais justamente para passarem despercebidos, afim de se tornarem observadores infiltrados em busca da cena perfeita para revelarem sua audácia e suas outras identidades. NORMCORE é algo assim — e antes que me exijam mais explicações já falo: NORMCORE não é uma TEORIA nem um MOVIMENTO. Ele é, antes de mais nada, uma NOÇÃO.

Se você não sabe o que é uma NOÇÃO, imagine que é o sentimento que você cultiva em relação a pílulas de imortalidade, robótica, exploração espacial ou mesmo carros elétricos. Não sabemos o que pensar exatamente acerca destas revoluções reais que estão acontecendo em todo o mundo, mas temos um sentimento de empatia e uma sutil opinião de com o que nós humanos estamos brincando nestes tempos atuais. Pois bem, isso é uma NOÇÃO, possuir uma empatia por determinado tema fazendo com o que os nossos sentimentos e pensamentos consigam compreender o tema sem necessariamente entendê-lo racionalmente. A ideia de NOÇÃO é uma proposta do sociólogo Michel Maffesoli para substituir a ideia de TEORIA. Segundo ele, vivemos em épocas em que não temos mais a densidade de tempo suficiente para criarmos teorias sobre as coisas, apenas noções — e é bom que seja desse modo, pois qualquer teoria social criada nos tempos de hoje necessitaria ser revisitada em breve para poder evoluir de acordo com nossas rápidas e novas compreensões sobre as coisas. Tudo isso para falar que NORMCORE não é uma teoria geracional, nem uma bandeira, nem um fenômeno cultural de larga escala. NORMCORE é, antes de qualquer outra coisa, uma NOÇÃO.

Uma nova noção de liberdade

mochila normcore

Em outubro de 2013 apresentamos o relatório uma cooperação entre a BOX1824 e o coletivo nova-iorquino de arte e cultura contemporânea K-HOLE. O relatório foi lançado no evento 89+ organizado por Hans Ulrich Obrist e Simon Castets na nova ala da Serpentine Gallery durante o projeto Frieze Marathon que é tradicionalmente organizado pela galeria durante a Frieze Fair. Nesta edição o evento teve como foco apresentar para a comunidade global os trabalhos que estão sendo realizados ao redor do mundo pela nova geração de jovens artistas e aspirantes a artistas nascidos após o derradeiro ano de 1989.

Para a ocasião, nossa ideia foi o de fazer o que tanto nós (BOX1824) quanto o coletivo de Nova Iorque (K-Hole) sabemos fazer — uma peça de análise de tendência. Pensamos que seria interessante estudarmos a própria geração que estaria presente no evento, entregando para a comunidade de arte global uma obra que refletisse sobre a condição e a evolução da geração jovem atual.

A propagação na mídia posteriormente foi extrema. Não sei ao certo o que detonou isso. Mas desconfio que falar que o novo “cool é ser normal” ou que chegamos ao fim da linha para o movimento HIPSTER e para a busca de diferenciação, promovido pela saturação do movimento “INDIE MASSIFICADO”, parece ter sido o tom apocalíptico exato que a mídia americana sempre apreciou. Afinal a cultura da Fênix sempre vive e revive de consumir a si mesma no fogo do capital.

Mas sem cair nas simplificações dos comentários da mídia eu acho que a peça de arte que fizemos ficou culturalmente eloquente e, de fato, em seus meandros conseguimos captar grande parte do espírito estruturante ou desestruturante dessa nova onda geracional. Frases como a que seguem abaixo apontam caminhos no puzzle da nova cultura global:

“Antigamente as pessoas nasciam em comunidade e tinham de buscar a sua individualidade. Hoje, as pessoas nascem como indivíduos e precisam buscar as suas comunidades.”

No momento em que temos a liberdade o que fazer com ela? Hoje o caminho da ponta não é mais o da luta pelas liberações travada pela revolução jovem dos anos 60 e 70, mas sim a luta pela “descoberta” de si mesmo. Descobrir a si mesmo parece ser uma nobre e verdadeira proposta. Mas soa também como a única alternativa enquanto o inferno das outras versões melhores de si mesmo assola nossas vidas nas salas de espelhos das redes sociais. O inimigo pode ainda estar fora, mas a guerra, agora, está dentro.

Depois do difícil objetivo de encontrar a si mesmo atingido, conseguir encontrar os outros representantes deste “si mesmo” passa a ser a nova missão. Estar-junto, como diria Maffesoli, se torna a demanda urgente de nosso tempo. Mas não estar junto de qualquer um, mas antes, junto de si mesmo ou junto destas novas versões de si mesmo. Estendamos nossos braços ao alto em reverência à tecnologia, mas nos curvemos perante a inexorável presença do presente — do aqui e agora!

Não, Jerry Seinfeld não é NORMCORE

jerry seinfield

Não, NORMCORE não é um movimento e nem o seu ícone mais representativo é Jerry Seinfeld. Um de seus ícones tão representativos quanto qualquer outro, na verdade, autoentitula-se, justamente, Ikon. Nico the Ikon. Percebe o JOGO? Niko é um dos jovens representantes desta noção. Pois não há termo melhor que este para definir o que é NORMCORE. NORMCORE é uma noção, lembra?

Pois bem. Niko é um jovem simpático, independente e criativo — que ainda por cima anda com seu próprio pente de sobrancelhas no bolso. Ele parece estar pairando sobre a ordem da cultura americana como alguém que dá a volta em um supermercado dentro de um carrinho de compras empurrado por seus melhores amigos. Diversão pura. Não apenas no sentido de prazer. Mas, principalmente, no sentido de diversidade. Este é o JOGO. O jogo do NORMCORE é o jogo da metamorfose.

NORMCORE fala de alguém que está protegido em seu centro-escudo camuflado na bonanza da normalidade, mas não mantido pela inércia de alguém que está perdido, mas sim pela maestria de alguém que tem o mapa do mundo — ou acha que tem (e que diferença isso faz?). Um mapa mantido por um ser tão perspicaz e letrado acerca das variedades estéticas de hoje que apenas decide ficar “apagado” na medida em que escolhe qual será a sua expressão mais eficaz ou divertida na noite de hoje ou no dia de amanhã. O NORMCORE está a se preparar sempre para o seu próximo ato. NORMCORE é a possibilidade de um módulo invisível para que a expressão extravagante, ou militante, ou comerciante, ou navegante, possa ser colocada quando menos se espera e quando mais se necessita.

NORMCORE é a sexualidade experimental indefinida. A possibilidade de se ter qualquer experiência, sem o medo de se firmar numa definição, apenas pela vontade de poder quebrá-la no café da manhã seguinte. Com quem você dormiu essa noite? Consigo mesmo poderia ser uma boa resposta, mas a pergunta está em baixo dos lençóis e agora já é tarde demais, você já pode voltar para casa.

Em verdade, estes ditos todos não deixam de estar certos. Estamos nos aproximando de um colapso estético onde o domínio da IGUALIDADE se torna mais novo e interessante do que o domínio da DIFERENÇA. Porém, a verdadeira expressão do conceito de NORMCORE, muito mais do que uma nova moda, é uma nova forma de operação da cultura global por parte de um grupo muito especial. Um grupo que já é admirado, que já é percebido e que, muito em breve, estará influenciando os seus hábitos em um youtube mais perto de você.

NORMCORE não é o que você é. Menos ainda, o que você veste. NORMCORE, antes de mais nada, é aquilo que você pode ser, disfarçado daquilo que você tem certeza que nunca foi.

Eu estou alertando, pois este é o meu papel. Mas não alerto um perigo. Alerto uma delícia. Alerto uma nova liberdade. Afinal de contas esse é o tema de nosso prestigioso relatório. YOUTHMODE: a report on freedom. Alerto para que você, assim como eu, que está avançando vertiginosamente em direção à morte, possa viver de modo mais feliz os dias que nos levam até a “grande transcendência”. Que todos os seres sejam felizes. Que todos os seres sejam ditosos. Pois se NORMCORE não for uma nave que nos leva ao prazer e ao contentamento, o que mais valeria a pena ser? Este é o JOGO. Enjoylove! and lovejoy!

space normcore
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