Assexualidade: reconhecimento do invisível
Na televisão, nas capas de revista, nos portais de notícia. Na mesa de bar e na conversa entre amigos. Ele está em todos os lugares. O sexo parece onipresente e é comum ouvirmos que “sexo traz felicidade”. Quantas vezes você já leu que “sexo é vida”? Pensando assim, seria possível viver feliz sem ele? As pessoas assexuais garantem: para elas, sim.
Assexualidade é a condição de quem não sente atração sexual em geral. Porém, a falta de interesse por relações sexuais não impede que os assexuais formem laços afetivos ou românticos com outras pessoas.
É uma doença? Apesar de seu histórico de patologização, não. Não é distúrbio mental, nem resultado de eventuais abusos sofridos no passado. A ausência de desejo pode, de fato, ser um sintoma clínico para alguns casos médicos, mas nos assexuais é uma simples característica.
Cada vez mais, a assexualidade é compreendida como uma orientação sexual. Tem quem discorde de que essa seja uma boa definição, mas (quase) todos concordam que essa característica não determina nenhum tipo de “defeito” biológico ou mental.
A assexualidade não se manifesta de uma única maneira. Para ilustrar, vamos imaginar que de um lado mora a assexualidade total, que é ausência completa de atração sexual e romântica. No lado oposto, reside a sexualidade com total presença de atração sexual e romântica. Ela abrange as orientações sexuais que já conhecemos: hetero, homo, bi e pansexualidade. Entre ambas, existe a área cinza, na qual se expressa a diversidade assexual. Podemos imaginar vários tons de cinza representando diferentes tipos de vivência pessoais.
A maior referência internacional é a AVEN (Asexual Visibility and Education Network), que em português seria Rede de Educação e Visibilidade Assexual. Fundada em 2001 por David Jay, a rede já funcionou como espaço de acolhimento e orgulho assexual e atualmente opera como local de produção de conhecimento e sistematização de dados.Para a assexual heterromântica Cammie (como pediu para ser identificada), David Jay é um herói. Ela relata que foi libertador descobrir a comunidade e constatar que não estava sozinha. Antes, vivia com medo de falar e era rotulada de homossexual, fatos recorrentes para vários desse grupo. A mineira de 22 anos explica porque decidiu colaborar com a divulgação da causa:
“Os assexuais são retratados, na maioria das vezes, como doentes, pessoas radicais ou que abominam sexo.”
Quando na verdade, como lembra Júlia Fioretti, estudante de artes que tem 21 anos e demissexual:
“São pessoas perfeitamente normais, com corpos que funcionam normalmente.”
Incompreensão e luta
Assexualidade não é celibato, tampouco abstinência. Nessas situações, o indivíduo sente desejo sexual e o reprime por alguma razão, seja voluntária ou involuntária. Quer saber uma curiosidade? Um assexual não é, necessariamente, virgem. Inclusive, muitas dessas pessoas já tiveram relações sexuais e foi justamente essa prática que os fez perceber sua genuína falta de atração. Resumindo: não é caso de não conseguir transar, sim de não querer fazê-lo. Outros detalhes? Alguns consomem pornografia, outros não. Alguns se masturbam, outros não. Alguns namoram, outros não.
Cada um é cada um e as experiências são diferentes entre si. Parece fácil de entender, mas ainda há bastante preconceito, intolerância e falta de respeito por aí. Por isso, os ativistas lutam principalmente por visibilidade social e pela retirada da assexualidade do catálogo de patologias.
Esse grupo sofre frequentemente com violência e opressão. São registrados muitos casos de estupros denominados “corretivos”, aqueles cuja a intenção é, pretensamente, “consertar” a vítima. Mais: sofrem com hostilidade de diferentes grupos, inclusive do movimento LGBT, do qual poderia se esperar acolhimento por se tratar de minorias.
O desconhecimento do tema leva pessoas bem intencionadas a dizerem frases como “você ainda não encontrou a pessoa certa” e “é apenas uma fase”. A assexualidade é constantemente confundida com depressão, tentativa de chamar atenção ou falso moralismo.
A ascenção do debate
Em São Paulo, a “Primeira Parada Assexual” aconteceu em 2015 com uma divertida “distribuição de abraços”, uma ação que visava desmentir a ideia de que assexuais são pessoas frias, como popularmente se supõe. Para Fioretti, essa manifestação é importante porque possibilita repercussão da comunidade:
“Ainda somos um número muito pequeno, mas acredito que com essa movimentação a tendência é de mais pessoas assexuais se identificarem com a assexualidade — uma vez que, muitos nem sequer sabem que ela existe.”
As redes sociais têm sido importantíssimos meios de discussão, debates políticos, reconhecimento mútuo e fortalecimento da sensação de pertencimento para esse grupo que tem forte coesão no mundo digital.
Enquanto há uma forte mobilização online, ainda notamos a escassez de pesquisas e estatísticas sobre essa parcela da população, correspondente a cerca de 1%.
No ano de 2012, a pesquisadora Elisabete Oliveira inaugurou oficialmente a discussão acadêmica no Brasil com sua tese de doutorado intitulada “Minha vida de ameba”, na qual explora a temática.
“Esse é um tipo de assunto que tem que caminhar com a comunidade acadêmica. A a ciência ainda é muito preconceituosa com assexualidade”, diz Gabriela Lyrio, 21 anos, graduanda em psicologia. Ela é assexual e se identifica atualmente como arromântica, mas aponta que as categorizações são muito rígidas, enquanto a vivência existencial é mais flexível. Para ela, que já teve fases demi, a “vida contemporânea deve no mínimo fazer com que possamos questionar a forma de lidar conosco e com a realidade para além de nós”.
Na cultura pop, personagens assexuais começam a ser mais frequentes em filmes e seriados. Sherlock Homes, Doctor Who e Valentina Dunacci da série de comédia Sirens. No Brasil, a novela Malhação da Rede Globo levantou a questão em 2010, com o personagem Alê. O cantor Steven Morrissey, ex-Smiths, também já se declarou assexual.
A conscientização é essencial para entender a assexualidade. Essa reflexão faz questionar a sexo-normatividade na qual vivemos e nos tira o conforto de repetir frases prontas, ao estilo “sexo é saúde”. Você não precisa ser assexual para se interessar pelo assunto, empatia é sempre bem-vinda. A solidariedade de quem não vive isso é fundamental uma vez que a aceitação é um ganho social.
Assexualidade é a condição de quem não sente atração sexual em geral. Porém, a falta de interesse por relações sexuais não impede que os assexuais formem laços afetivos ou românticos com outras pessoas.
É uma doença? Apesar de seu histórico de patologização, não. Não é distúrbio mental, nem resultado de eventuais abusos sofridos no passado. A ausência de desejo pode, de fato, ser um sintoma clínico para alguns casos médicos, mas nos assexuais é uma simples característica.
A assexualidade não se manifesta de uma única maneira. Para ilustrar, vamos imaginar que de um lado mora a assexualidade total, que é ausência completa de atração sexual e romântica. No lado oposto, reside a sexualidade com total presença de atração sexual e romântica. Ela abrange as orientações sexuais que já conhecemos: hetero, homo, bi e pansexualidade. Entre ambas, existe a área cinza, na qual se expressa a diversidade assexual. Podemos imaginar vários tons de cinza representando diferentes tipos de vivência pessoais.
Na cultura pop, personagens assexuais começam a ser mais frequentes em filmes e seriados. Sherlock Homes, Doctor Who e Valentina Dunacci da série de comédia Sirens. No Brasil, a novela Malhação da Rede Globo levantou a questão em 2010, com o personagem Alê. O cantor Steven Morrissey, ex-Smiths, também já se declarou assexual.
A conscientização é essencial para entender a assexualidade. Essa reflexão faz questionar a sexo-normatividade na qual vivemos e nos tira o conforto de repetir frases prontas, ao estilo “sexo é saúde”. Você não precisa ser assexual para se interessar pelo assunto, empatia é sempre bem-vinda. A solidariedade de quem não vive isso é fundamental uma vez que a aceitação é um ganho social.
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