Adaptação às novas existências: como se vive em uma ecovila
Concebidas há mais de 50 anos, as Ecovilas fazem parte de um movimento global, que visa criar comunidades autossuficientes, sustentáveis e em harmonia com o meio ambiente. Além do viés ecológico, essas comunidades integram aspectos econômicos, sociais e culturais. Lá, técnicas de gestão participativa são utilizadas para a tomada de decisões e permacultura para a construção das moradas em harmonia com a natureza. Todos trabalham, todos têm voz, todos colaboram.
Onde estão
Existem ecovilas espalhadas por todos os cantos do planeta. No Brasil há uma grande variedade, como a Arca Verde, Vila Yamaguishi, Terra Una e Terra Mirim. A maior parte delas está distribuída nas regiões sul, sudeste e centro-oeste. Na Morada da Paz, uma comunidade budista afro-brasileira no município de Triunfo (RS), desde cedo as crianças aprendem aspectos da agroecologia, como rotação de culturas e combate a pestes sem utilizar produtos químicos. Mais da metade da alimentação de todos os integrantes da comunidade é produzida no local.
Em Piracanga, no litoral baiano, há um cuidado minucioso com o despejo dos líquidos no ambiente, e mesmo a filtragem da água potável é realizada através de plantas subaquáticas que não danificam o ecossistema. Juliana Faber, educadora ambiental de Piracanga, acrescenta:
“Também nos dedicamos à criação de solo através da compostagem, banheiros secos e produção de biofertilizantes e microrganismos efetivos.”
Para Ryan Luckey, ativista e fundador do Comun Tierra, projeto pioneiro que vem mapeando comunidades e iniciativas sustentáveis na América Latina desde 2010, as ecovilas de hoje podem ser vistas como laboratórios de vida sustentável para o planeta:
“Ecovilas não são a única resposta ou estratégia, mas suas descobertas têm muito a contribuir para esta grande mudança de hábitos que, coletivamente, temos de abraçar se quisermos um futuro habitável no planeta.”
Em escala global, na Findhorn Foundation, uma das ecovilas mais antigas do mundo, fundada em 1962 na Escócia, a energia é produzida de forma alternativa, com cataventos e painéis solares. As casas são pensadas em conjunto pelos futuros moradores e especialistas em engenharia sustentável e mesclam elementos de design, usabilidade e ecologia.
A comunidade de Findhorn tornou-se conhecida pelo seu trabalho com as plantas e a comunicação com reinos naturais. É também referência em cursos e palestras que cobrem de terapias holísticas até oficinas sobre como realizar tarefas coletivas. Conforme Yvonne Cuneo, gestora da ecovila: “Aqui nós educamos as pessoas e mostramos para elas uma nova forma de existirmos neste mundo”. Atualmente, 762 pessoas dizem pertencer à comunidade de Findhorn, mas apenas 250 realmente vivem na ecovila.
Mas e o dinheiro?
A pergunta que paira na cabeça de muitas pessoas que leem sobre ecovilas e pensam em mudar de estilo de vida é: quem paga tudo isso? Não há uma resposta exata para essa pergunta, até mesmo porque cada ecovila organiza suas funções administrativas de forma singular. Mas é importante antever que, com todos trabalhando em prol da comunidade, questões como alimentação, energia, limpeza e transporte representarão gastos bem menores, à medida que não há “atravessadores” na hora de gerir esses aspectos. As coisas deixam de chegar nas pessoas “porque elas pagam por elas” e sim porque elas trabalharam para obtê-las. Fora isso, a ausência de gastos com estacionamento, TV a cabo, passeios em shopping e delivery de pizza colaboram para uma redução consistente no custo de vida, o que implica, basicamente, em precisar de menos dinheiro.
No Instituto Biorregional do Cerrado (IBC), comunidade situada no Alto Paraíso (GO), alguns membros trabalham na cidade para complementar a renda: “O IBC ainda não consegue gerar economia suficiente para manter trabalhos remunerados para todos. Estamos criando um banco de horas-crédito e temos anualmente 200 horas de dedicação voluntária de cada associado ao IBC”, explica Thomas Enlazador, fundador do Instituto.
No IBC a maior parte do alimento ainda é comprada, já que o foco do Instituto, no momento, é a construção das estruturas comunitárias e das moradias pessoais: “Muitos integrantes querem se libertar do aluguel”, completa Thomaz. “O projeto de plantio cresce, mas deve se estruturar melhor a partir de 2017”.
Dia a dia
Cada ecovila organiza seus processos e rotinas de forma independente, mas uma rotina comum a várias delas inclui café da manhã coletivo e desempenho de atividades para a comunidade (plantio, construção, limpeza, tratamento de água, educação, etc.) pela manhã.
À tarde, geralmente, as pessoas têm tempo para tocar projetos pessoais ou voltar-se a outros empregos, como médicos, jornalistas, arquitetos.
Esse tempo livre é vital para muitos membros, já que grande parte dessas comunidades funciona em sistema de economia mista e, embora o custo de vida na ecovila seja bem mais baixo que o das grandes cidades, ainda assim existem contas que precisam ser pagas.
À noite, reuniões ocorrem regularmente para que toda a comunidade tenha um canal de diálogo constante.
Em Piracanga existem mais de 250 moradores vindos de diferentes regiões do mundo: Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Portugal, Áustria, França, Itália, Israel, Ucrânia… A maior parte dessas pessoas se dedica aos mais de 20 projetos que a Comunidade Inkiri, núcleo que sustenta energeticamente a comunidade, mantém: “Esses projetos sustentam, financeiramente, quem está ligado a eles. Damos muitos cursos e vivências externas também, através do que chamamos ‘PiraCanga no Mundo’ e algumas pessoas têm trabalhos externos e/ou via internet”, acrescenta Juliana.
Letícia Rigatti Barcellos, ativista e também fundadora do projeto Común Tierra, planeja fundar uma ecovila no Brasil e explica que um dos grandes diferenciais da vivência nessas comunidades é descobrir o potencial que temos para fazer as coisas com as próprias mãos, assim como ver a força dos projetos coletivos: “É poder ter uma vida mais integral, viver perto da natureza, sendo parte dela. Cuidar de um território, plantar, colher, e ter crianças livres. É um trabalho forte e coletivo, onde se cria um espaço aberto para conversar sobre os problemas em grupo e exercitar uma vida menos individualista. E também é poder celebrar, fazer fogueira, respirar ar puro, cantar e viver mais próximo da arte, já que muitas ecovilas sempre procuram fazer as coisas artisticamente”, conclui.
“Em tempos de crise e transição planetária, viver em comunidade é a unica forma possível de gerar transformações relevantes. Através da cooperação, do trabalho conjunto, temos muito mais força e expressão no mundo.” — Juliana Faber
Há muitas maneiras de imaginar o futuro da espécie. Todas envolvem uma mudança na forma como vivemos. Uma vez que o primeiro passo é dado, o resultado é uma reconquista natural da felicidade. No momento, ecovila é sinônimo de mudança.
Concebidas há mais de 50 anos, as Ecovilas fazem parte de um movimento global, que visa criar comunidades autossuficientes, sustentáveis e em harmonia com o meio ambiente. Além do viés ecológico, essas comunidades integram aspectos econômicos, sociais e culturais.
Lá, técnicas de gestão participativa são utilizadas para a tomada de decisões e permacultura para a construção das moradas em harmonia com a natureza. Todos trabalham, todos têm voz, todos colaboram.
Em Piracanga, no litoral baiano, há um cuidado minucioso com o despejo dos líquidos no ambiente, e mesmo a filtragem da água potável é realizada através de plantas subaquáticas que não danificam o ecossistema.
Em escala global, na Findhorn Foundation, uma das ecovilas mais antigas do mundo, fundada em 1962 na Escócia, a energia é produzida de forma alternativa, com cataventos e painéis solares. As casas são pensadas em conjunto pelos futuros moradores e especialistas em engenharia sustentável e mesclam elementos de design, usabilidade e ecologia.
No Instituto Biorregional do Cerrado (IBC), comunidade situada no Alto Paraíso (GO), alguns membros trabalham na cidade para complementar a renda: “O IBC ainda não consegue gerar economia suficiente para manter trabalhos remunerados para todos. Estamos criando um banco de horas-crédito e temos anualmente 200 horas de dedicação voluntária de cada associado ao IBC”, explica Thomas Enlazador, fundador do Instituto.
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