Desclassificar para enxergar: entendendo as reais motivações do mercado
Consumidores complexos e paradoxais estão fazendo as empresas repensarem suas formas de segmentar o mercado. As segmentações clássicas, quase sempre pautadas em classificações demográficas como classe social, região, faixa etária ou gênero estão ultrapassadas. As tendências TRANScenGENDER, Youth Mode e Unclassed materializam valores emergentes nas dinâmicas sociais e justificam a morte do clássico target.
Há exemplos disso bem à nossa frente. Antes de citar alguns deles, é importante deixar claro que toda tendência se materializa culturalmente, ou seja, é perceptível em diversas áreas da contemporaneidade, incluindo, por exemplo, o consumo, visto pela antropologia como área muito fértil para a compreensão do comportamento das pessoas.
“Coisas como moda, objetos, produtos, serviços, design, marcas, grifes, shoppings, televisão, publicidade, comunicação de massa são traços indeléveis do espírito do tempo, e cada um à sua maneira dá visibilidade ao consumo na nossa vida social cotidiana.” — Prof. Dr. Everardo Rocha, antropólogo
Free Gender
Axe: a mais recente campanha da marca aborda a quebra dos paradigmas de segmentação de mercado.
Quantos anos você quer ter?
A ideia de que a idade cronológica não se vincula mais à juventude ou à atitude é comprovada no cenário atual do consumo. Trata-se de um novo valor emergente na sociedade.
Não são poucas as mulheres maduras estrelando campanhas publicitárias: Catherine Deneuve para Louis Vuitton, Jessica Lange para Marc Jacobs, Iris Apfel para Kate Spade, Joan Didio para Céline, Anjelica Houston para Gap, Sophia Loren para Dolce &Gabbana. Mais do que passar a mensagem de que jovialidade e beleza são para todas as idades, as campanhas mostram que estereótipos convencionais estão mais abertos e receptivos ao “fora do padrão”. Sabemos que também há um grande interesse por parte das marcas em atingir um filão do mercado: pessoas com mais de sessenta anos representam o grupo de consumo com mais rápido crescimento no mundo.
Não se classifica um multivíduo
Assim como acontece com o gênero e a faixa etária, a classificação de um consumidor não se limita apenas à classe social e ao poder econômico. “Desclassificar” é olhar para dentro das pessoas buscando entender suas reais motivações. Só assim é possível agrupá-las: por afinidade.
“O formativo da cultura industrial, que consiste em elaborar uma identidade sempre idêntica a si mesma, não funciona mais. Na cultura digital, as identidades não são fixas, mas flutuantes. O conceito de multivíduo modifica o conceito clássico de indivíduo. O multivíduo é um sujeito divisível, plural, fluído. Um mesmo sujeito pode ter uma multiplicidade de identidades, de “eus”, e assim multividuar a sua subjetividade.” — Massimo Canevacci
Definir um público-alvo é entender os motivos pelos quais diferentes pessoas, com classificações diversas e paradoxais, se “agrupam” em torno de uma mesma grife ou de um mesmo ideal, uma vez que falar em marca na pós-modernidade é falar, acima de tudo, em valores, mais do que em materialidade, razão pela qual pessoas de diferentes classes econômicas transitam na esfera de um mesmo consumo. Isso porque consumir passa a ser mais (ou quem sabe menos) do que comprar o produto. Ser fã de uma marca e propagar suas mensagens nas redes sociais, assim como “curtir” no Facebook, também são formas de consumo.
Esse é só um dos motivos pelos quais não se pode engessar nossa leitura de mercado nas segmentações tradicionais. Outro ponto para se pensar é que poder aquisitivo não está diretamente relacionado à classe socioeconômica. Quem pode comprar mais: um office boy adolescente que trabalha para comprar suas coisas e não precisa se preocupar com as despesas domésticas ou uma mãe de três crianças, executiva com bom salário, mas que precisa pagar colégio, babá e uma série de outras contas em casa?
Será mesmo que as marcas precisam falar apenas com quem teria dinheiro para comprá-la, sendo que, uma vez transformada em objeto de desejo, ela se torna meta de quem pode abrir mão de outras coisas para juntar dinheiro por um tempo para realizar seu consumo aspiracional?
Assim, não é difícil encontrarmos o mesmo produto fazendo parte da vida de pessoas bem diferentes. Dividindo a mesma pista de corrida, podemos ter um ajudante de confeiteiro, de 18 anos e uma advogada de 32 anos, moradores do Taboão da Serra e do Itaim, respectivamente, mas que usam exatamente o mesmo tênis, porque ambos, com pisada supinada, compraram o mesmo produto e marca preocupados com performance e conforto. Ele, treinando pra São Silvestre, pagou o tênis à vista, e ela, preocupada em queimar gordura corporal, parcelou em 10 vezes no cartão de crédito.
Mesmo com gêneros, idades e classes econômicas distintas, ambos optaram pelo mesmo modelo e marca de tênis. Havia uma motivação em comum e isso foi suficiente. Se a marca estivesse focando apenas nas tradicionais classificações de mercado, talvez não tivesse os enxergado, ou melhor, conquistado.
Além disso tudo, o consumo consciente e a sustentabilidade tornaram os consumidores mais exigentes e mais críticos. Além de policiarem uns aos outros e às marcas, as pessoas hoje utilizam sua conduta ética como nova bandeira de poder social. O “status” passa a estar mais associado à postura no mundo do que ao poder aquisitivo. E as marcas já entenderam que deverão convencer muito mais do que nosso bolso, e para isso, precisam nos enxergar de forma mais qualitativa e profunda para melhor argumentar suas propostas.
Consumidores complexos e paradoxais estão fazendo as empresas repensarem suas formas de segmentar o mercado. As segmentações clássicas, quase sempre pautadas em classificações demográficas como classe social, região, faixa etária ou gênero estão ultrapassadas. Há exemplos disso bem à nossa frente.
Axe: a mais recente campanha da marca aborda a quebra dos paradigmas de segmentação de mercado.
Assim como acontece com o gênero e a faixa etária, a classificação de um consumidor não se limita apenas à classe social e ao poder econômico. “Desclassificar” é olhar para dentro das pessoas buscando entender suas reais motivações. Só assim é possível agrupá-las: por afinidade.
Além disso tudo, o consumo consciente e a sustentabilidade tornaram os consumidores mais exigentes e mais críticos. Além de policiarem uns aos outros e às marcas, as pessoas hoje utilizam sua conduta ética como nova bandeira de poder social. O “status” passa a estar mais associado à postura no mundo do que ao poder aquisitivo. E as marcas já entenderam que deverão convencer muito mais do que nosso bolso, e para isso, precisam nos enxergar de forma mais qualitativa e profunda para melhor argumentar suas propostas.
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