Depois dos tempos líquidos: espiritualidade contemporânea e a busca por propósito
Desde a Revolução Industrial, no final do século 19, somos bombardeados com a mensagem de que para sermos pessoas felizes, bem sucedidas e plenas, devemos comprar os signos semióticos responsáveis por garantir esses endossos capitalistas — carros, roupas, joias, celulares, etc. Fomos programados para acreditar que a felicidade reside no ter.
Porém esse cenário está mudando a partir desta própria percepção, que dá lógica ao consumo consciente. O Lowsumerism indica uma sociedade questionadora que busca novas formas de se relacionar com o mundo contemporâneo.
Com esta consciência, renova-se a busca pela espiritualidade. Nos últimos anos, um momento coletivo de maior introspecção promove um olhar menos egoísta e autocentrado, capaz de enxergar a nossa relação com o mundo e com as pessoas de maneira mais integrada.
Na abundância frenética de conexão da nossa sociedade, há igualmente desconexão. Sem perceber, desconectamos de tudo — família, amigos, sociedade, meio ambiente, de nós mesmos, daquilo que entende-se como deus ou universo.
Não é preciso ter para ser
A busca contemporânea pela espiritualidade é observada em hábitos cotidianos: a popularização do yoga-at-your-desk, a ascensão do veganismo e da paz intestinal, a valorização da medicina integrativa… São práticas que promovem, acima de tudo, autoconhecimento; estão distantes de dogmas e mais próximas do “verdadeiro eu”.
São possibilidades de satisfação que conduzem a uma vida sem as amarras sociais e culturais propostas pelo consumismo. Bens de consumo não são suficientes para que nos identifiquemos como pessoas, de maneira completa e verdadeira, e essa percepção é cada vez mais tangível. Afinal, quanto mais possuímos, mais infelizes ficamos.
“O retorno à cena da espiritualidade não corresponde necessariamente a uma adesão às instituições e aos códigos religiosos tradicionais.” — Ulrich Beck
Por que agora?
O interesse do ocidente pela espiritualidade não é novo. Desde os anos 1960, a cultura pop dissemina filosofias orientais como o budismo e seus ensinamentos milenares. Nos anos 1970, a espiritualidade foi uma das forças que potencializaram os movimentos feministas, raciais e ecológicos.
Na filosofia moderna, Soren Kierkegaard, Jean-Paul Sartre e Martin Heidegger afirmam que o Ser constrói-se a cada ação. Para os existencialistas, não nascemos com uma finalidade definida: estamos constantemente em busca de um propósito para preencher o vazio desta falta de finalidade da existência.
Hoje, entre incertezas políticas e econômicas, queda da confiança na governabilidade e ascensão dos movimentos sociais contra a maré do conservadorismo, cresce a noção de que não nascemos apenas para pagar contas e morrer.
A sociedade passa a se direcionar a um caminho de questionamento em busca de respostas mais satisfatórias. Essa consciência espiritualizada está vinculada à busca por um propósito maior.
“A árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.” — Zygmunt Bauman
É por meio dessa busca do propósito que dê sentido à existência que, aos poucos, práticas espirituais ganham mais espaço na vida das pessoas. O precioso tempo passa a ser gasto com um encontro consigo próprio em busca de autoconhecimento. Ioga e meditação nunca foram tão populares. Retiros espirituais, como o de Piracanga, tornam-se os novos destinos de desejo. A vida cosmopolita e agitada, cheia de shoppings, lojas, bares e baladas, começa a parecer menos interessante do que uma casa sustentável em uma ecovila.
Propósito no mercado de trabalho
Ser feliz, para o “eu” espiritualizado, está ligado a colaborar com a felicidade dos outros e com a construção de um mundo melhor. Pessoas com propósitos altruístas, em busca de um mundo melhor para todos, olham para além de si e se posicionam como agentes transformadores: amplificam seus valores no mundo dos negócios com questionamentos sobre as fronteiras entre trabalho, diversão e agente social.
Pessoas que encontraram seu propósito maior dão luz a empresas que inspiram mudanças com objetivos que estão além do lucro financeiro. São iniciativas que colocam em xeque a unanimidade do sistema econômico atual com alternativas como capitalismo consciente, economia solidária, negócios sociais, economia colaborativa, economia sustentável e pós-capitalismo.
Sevenly: através da arte e do design, a plataforma levanta fundos para causas importantes. Sob o lema “pessoas importam”, arrecadou mais de US$ 4 milhões para projetos sociais. A primeira campanha da plataforma, em 2011, ajudou a dar abrigo e cuidados para 29 meninas recuperadas do tráfego sexual.
Catarina Mina: as artesãs e crocheteiras têm a segurança da renda mensal, mas trabalham em suas casas, no seu tempo e no próprio ritmo.
Podemos concluir, então, que o encontro com o “eu” e com um propósito maior a partir do autoconhecimento proposto pela espiritualidade, ou a necessidade latente de preencher um espaço agora vazio, antes ocupado por bens de consumo, é capaz de subverter a ordem dos “tempos líquidos”, cujas premissas são insolidez e fugacidade. Os novos propósitos escapam à logica do capitalismo e sugerem um estilo de vida mais inclusivo e menos focado em acúmulo de capital.
“Não busque satisfação nos meios materiais ou desejos oriundos. Busque a Bem-aventurança pura, indestrutível e incondicional dentro de você, e você terá achado a Alegria sempre-nova.” — Paramahansa Yogananda, fundador da Self-Realization Fellowship
A era em que vivemos nos convida a instaurar novas, e mais conectadas, maneiras de viver em sociedade. Da próxima vez que fizer uma compra ou fechar um negócio, questione-se sobre o propósito daquela ação e se ela traduz as verdades da sua alma e espírito.
Nos últimos anos, um momento coletivo de maior introspecção promove um olhar menos egoísta e autocentrado, capaz de enxergar a nossa relação com o mundo e com as pessoas de maneira mais integrada. Na abundância frenética de conexão da nossa sociedade, há igualmente desconexão. Sem perceber, desconectamos de tudo — família, amigos, sociedade, meio ambiente, de nós mesmos, daquilo que entende-se como deus ou universo.
A busca contemporânea pela espiritualidade é observada em hábitos cotidianos como a popularização do yoga-at-your-desk, a ascensão do veganismo, a valorização da medicina integrativa… São práticas que promovem, acima de tudo, autoconhecimento; estão distantes de dogmas e mais próximas do “verdadeiro eu”.
O interesse do ocidente pela espiritualidade não é novo. Mas hoje, entre incertezas políticas e econômicas, queda da confiança na governabilidade e ascensão dos movimentos sociais contra a maré do conservadorismo, cresce a noção de que não nascemos apenas para pagar contas e morrer.
Pessoas que encontraram seu propósito maior dão luz a empresas que inspiram mudanças com objetivos que estão além do lucro financeiro. São iniciativas que colocam em xeque a unanimidade do sistema econômico atual com alternativas como capitalismo consciente, economia solidária, negócios sociais, economia colaborativa, economia sustentável e pós-capitalismo.
O encontro com o “eu” e com um propósito maior a partir do autoconhecimento proposto pela espiritualidade, ou a necessidade latente de preencher um espaço agora vazio, antes ocupado por bens de consumo, é capaz de subverter a ordem dos “tempos líquidos”, cujas premissas são insolidez e fugacidade. Os novos propósitos escapam à logica do capitalismo e sugerem um estilo de vida mais inclusivo e menos focado em acúmulo de capital.
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