Inacessibilidade como expressão de luxo
Capacidade de foco e contemplação é uma característica pouco presente nessa geração, que cresceu em um contexto multitasking e tem como comportamento vigente a ausência de linearidade. Isso é um reflexo da Internet: navegar entre abas, abertas às dezenas, é tão natural quanto monitorar o cotidiano através de fotos, check-ins e updates.
É um constante esforço coletivo em marcar presença e sentir-se presente. O abuso dessas ferramentas de registro geram dependência e promovem o desfoque, mesmo que não intencionalmente.
Todos sabemos disso. Mas todos seguimos fazendo isso.
Porém essas interrupções têm sido evitadas por uma crescente minoria, convencida de que criatividade e atenção são irmãs siamesas. Hoje observa-se um contra-movimento comportamental que prega o monotasking como a solução para uma vida com mais memórias, saúde e dedicação. O presente passa a ser revalorizado pelo agora, e não pelo registro que deixou. Nessa lógica, filmar sua música favorita durante um show faz tão pouco sentido quanto fotografar sua comida.
O não-registro, a contemplação, o detox digital e o monotasking entram em cena para propor uma revalorização do momento.
Não é à toa que a artista contemporânea mais debatida nos anos recentes seja Marina Abramovic. O principal aspecto de suas obras performáticas é a concentração, como foi o caso do célebre trabalho The Artist Is Present, que consistia no contato visual entre artista e público, sentados um de frente para o outro, sem fala, sem movimento, somente presença. A arte de Marina é tão pautada no foco que ela está fundando um instituto que ensine meios de aumentar a consciência física e mental do momento presente.
Um smartphone incomoda muita gente
Em 2013, Fiona Apple abandonou o palco de um evento de moda em Tóquio. Depois de algumas tentativas de pedir silêncio à plateia inquieta, a cantora perdeu a paciência e atacou verbalmente o público e a grife anfitriã — no caso, a Louis Vuitton.
Kate Bush, ao anunciar seu primeiro show depois de 30 anos afastada dos palcos, pediu aos fãs que não filmassem nem tirassem fotos durante sua apresentação. O consentimento foi unânime.
“O que eu quero é ter contato com vocês como audiência, não com iPhones, iPads ou câmeras. Eu sei que é pedir muito, mas isso vai nos ajudar a compartilhar esta experiência juntos”, disse.
Na moda, quem vetou os flashes foi Tom Ford, em 2010. Quando voltou ao prêt-à-porter após um intervalo de 6 anos, o estilista realizou um desfile para 100 convidados bastante exclusivos, que tiveram de deixar seus celulares e câmeras na entrada do evento. O único fotógrafo presente foi Terry Richardson, que transformou o desfile em um livro posteriormente. “Quero que a moda se torne divertida de novo, como era nos anos 60, e as pessoas não viam a hora de ter as roupas e vesti-las. Acho que perdemos isso”, comentou Ford.
No restaurante Momofuku Ko, em Nova York, foi proibido fotografar os pratos, o que acabou gerando uma discussão sobre os novos tabus da etiqueta moderna.
Retromania ou desconexão?
Durante muito tempo, possuir o mais novo modelo de smartphone e usufruir das mais impressionantes novidades tecnológicas eram sinônimos de status. Hoje, parece algo desesperado.
A clássica fila na loja da Apple se tornou o retrato de uma triste máfia consumista. Enquanto isso, aquele seu amigo buena-onda, que insiste em não ter Internet no celular, passa a ser entendido como um trendsetter acidental — ainda que esse título seja tudo que ele mais quer evitar.
Ligações e SMS são as especialidades de um flip phone, um dos primeiros celulares a se popularizarem. Por mais que pareça arcaico em um contexto contemporâneo, este saudoso gadget representa uma nova expressão de luxo: a inacessibilidade. Trata-se de reduzir os excessos da conectividade de modo a evitar distrações.
Quando online e offline são conceitos que deixam de se distinguir, ausentar-se é visto como cura para a ressaca do multi-tasking.
Go Mono!
Hackathons são situações extremas de monotasking. São maratonas de programação onde projetos complexos são resolvidos em horas. Segundo Randi Zuckerberg,
“existe um foco muito intenso quando você sabe que só tem 12 horas para resolver um problema”.
Mas como conseguir focar vivendo em um mundo onde janelas tem abas? Singelas soluções tem surgido. Tabless Thursday é uma proposta da revista The Atlantic que sugere a quinta-feira como o dia em que você só poderá abrir 1 aba do seu navegador.
Na Internet, serviços do tipo “leia depois” tem se popularizado. Eles contribuem com o monotasking ao permitir que se deixe para mais tarde aquilo que tira a atenção do agora.
Quando só a urgência é capaz de captar a atenção, é hora de rever se o FOMO ainda é capaz de assustar. Estamos em todos os lugares parcialmente e em nenhum lugar totalmente. Em um tempo de realidades infinitas e possíveis, a onipresença cede espaço para o foco. As melhores coisas acontecem apenas uma vez.
Capacidade de foco e contemplação é uma característica pouco presente nessa geração, que cresceu em um contexto multitasking e tem como comportamento vigente a ausência de linearidade. Isso é um reflexo da Internet: navegar entre abas, abertas às dezenas, é tão natural quanto monitorar o cotidiano através de fotos, check-ins e updates.
Porém essas interrupções têm sido evitadas por uma crescente minoria, convencida de que criatividade e atenção são irmãs siamesas. Hoje observa-se um contra-movimento comportamental que prega o monotasking como a solução para uma vida com mais memórias, saúde e dedicação.
Por mais que pareça arcaico em um contexto contemporâneo, o saudoso e limitado flip phone representa uma nova expressão de luxo: a inacessibilidade. Trata-se de reduzir os excessos da conectividade de modo a evitar distrações. Quando só a urgência é capaz de captar a atenção, é hora de rever se o FOMO ainda é capaz de assustar.
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