A principal tendência da atualidade: entenda a urgência do Lowsumerism

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Microtendências mostram que todo o nosso zeitgeist tem se voltado ao “menos é mais”

por Eduardo Biz

Consumir menos, buscar alternativas e viver apenas com o necessário. O recado do foi dado e está claro: o processo de autodestruição causado pelo consumismo só poderá ser freado por meio de um profundo despertar de consciência. Mas o que isso significa na prática? Como ser mais consciente e consumir menos? Como esse comportamento pode ser viável em uma sociedade dominada por indústrias e marcas?

A lista de interrogações cresce nos comentários deixados no vídeo “The Rise of Lowsumerism”, lançado pela Box1824 em agosto de 2015. O estudo introduz o conceito — nomeado pela junção das palavras “low” (baixo) e “consumerism” (consumismo) — e propõe o questionamento de hábitos ainda majoritários na relação humana com o ato de comprar.

As respostas vêm em camadas, são compostas por microtendências que levam a uma macrovisão da vida contemporânea. Prever os próximos passos da evolução humana é possível, mas, para o melhor entendimento do futuro, antes é preciso observar o passado.

Sexta extinção em massa

O maior mistério geológico de todos os tempos é o surgimento da Terra. Ao longo de seus 4,5 bilhões de anos o planeta tem passado por lentas transformações. São eventos que se desenrolam por milhões de anos a fio, gradativamente alterando o curso da história e sinalizando o início de novas eras.

As mais impactantes destas mudanças se dão por extinções em massa, geralmente resultantes de catástrofes ambientais, rápidas demais para que os organismos existentes consigam se adaptar e evoluir. Hoje, 99,9% de todas as espécies que já habitaram a Terra estão extintas.

Escultura de Lorenzo Quinn: a Terra nas mãos da mãe-natureza
Escultura de Lorenzo Quinn: a Terra nas mãos da mãe-natureza

O fim do período Cretáceo, que extingiu os dinossauros há 66 milhões de anos, foi a quinta extinção em massa pela qual a Terra já passou. Agora, estudos na área da biologia sugerem que estamos vivendo a sexta delas: pela primeira vez, provocada pelo próprio homem.

O ritmo crescente das causas desse cenário — mudanças climáticas advindas da poluição, destruição de habitats, superpopulação humana, sobre-exploração dos recursos naturais — levou cientistas a concluírem que um quarto dos mamíferos estarão extintos nos próximos 30 anos, e que metade de todas as espécies desaparecerão até o fim deste século. Se o comportamento atual for mantido, até 2050 precisaremos de duas Terras para nos sustentar.

lowusmerism autodestruição

Mais importante do que apontar os culpados é perceber-se como agente desta realidade. Apesar das fronteiras culturais, econômicas e geográficas inventadas pelo homem ao longo dos últimos séculos, estamos todos no mesmo barco, unidos por ventos, correntes marítimas e aves migratórias. Quando o gelo derreter na Antártida, a costa da Índia também será inundada.

É ingênuo acreditar que hábitos individuais não interferem na vida de mais ninguém. Lowsumerism é um movimento que deve ser colocado em prática com urgência: o consumismo é um comportamento ultrapassado do qual logo sentiremos vergonha.

Adotar uma postura lowsumer é entender que pequenas atitudes podem gerar grande impacto.

Por que agora?

Enquanto pensamento, é possível que o Lowsumerism exista sob forma de contratendência desde o final do século 19, com o crescimento do consumo ocasionado pela Revolução Industrial. Desde então, a relação das pessoas com o ato de consumir vem se intensificando exponencialmente, fortalecida por diferentes períodos: o surgimento do sistema de crédito e da propaganda nos anos 1920, o ideal do “sonho americano” nos anos 1950, o consumo individualista dos anos 1980.

Para traçar a origem do Lowsumerism, não podemos desconsiderar os fenômenos sociais de contracultura das décadas de 60 e 70, como a filosofia hippie, o punk e o anticonsumismo. Foram vanguardas que contribuíram para a disseminação de um estilo de vida minimalista, e defenderam — cada uma à sua maneira — uma libertação dos tentáculos do sistema dominante.

Foi nos anos 90 que o cenário do consumo tornou-se preocupante, transformando-se em consumismo. Tal comportamento foi fortalecido pela mentalidade do “você é o que você consome”, vigente deste então. Neste período, a mídia de massa começou a abordar os males destes excessos e, nadando contra a corrente, iniciativas ambientais deram voz a previsões ecológicas catastróficas. Tudo isso contribuiu para que manifestações da consciência lowsumer começassem a ampliar seu alcance — mesmo que ainda timidamente.

Mais recentemente, nos anos 2010, o boom da economia compartilhada ajudou a vislumbrar alternativas para os moldes engessados do capitalismo, trazendo ao cotidiano das pessoas mais abertura para o despertar do Lowsumerism.

Lowsumerism para quem?

Quando se fala em redução de consumo, é impossível não falar também em desigualdade social. As camadas populacionais menos privilegiadas já operam desde sempre, por necessidade, na lógica da escassez de bens materiais, adotando alternativas ao consumo como trocas e doações. Então afinal, a quem o Lowsumerism se destina?

Todas as classes e todas as idades consomem, por isso o Lowsumerism impacta a todos. No Brasil, a classe C se empoderou economicamente nos últimos anos e, com isso, passou a consumir mais. Mais do que uma nova realidade, a possibilidade da compra passa a ser um reflexo das conquistas de vida, uma evolução do estágio em que o indivíduo se encontrava anteriormente — “se posso comprar, estou bem de vida”. O Lowsumerism não desmerece esse sentimento, uma vez que seu propósito central não é culpabilizar quem consome, mas propor a reflexão sobre o que é excesso para cada um.

Vale lembrar que o excesso não se apresenta apenas na quantidade dos bens possuídos, mas também na adesão à lógica da obsolescência programada, vigorante desde os anos 50.

Estratégia da obsolescência planejada: objetos têm sua morte programada com antecedência.
Estratégia da obsolescência planejada: objetos têm sua morte programada com antecedência.

“Excesso” é um conceito subjetivo, cabendo a cada indivíduo identificar o descontrole a partir dos seus próprios parâmetros. Ansiedade e depressão, entendidos como os males deste século, são bons termômetros.

O Lowsumerism não sugere a inibição dos desejos, mas sim que essas vontades sejam remodeladas a partir do entendimento que boicotar a excessividade diminui o impacto ambiental e social do consumismo. A melhor tradução para Lowsumerism seria “consumo equilibrado”.

lowsumerism ansiedade

É interessante pontuar que essa lucidez pela redução do consumo se dá primeiramente nas pessoas, e não na indústria. A tendência é que, nos próximos anos, o mercado abrace esta mentalidade e assuma o papel de requalificar o desejo do consumidor, deixando-o menos associado ao excesso.

O consumidor, cada vez mais consciente, abraçará as alternativas de novos modelos mercadológicos capazes de atender às suas necessidades e vontades de uma maneira menos nociva.

Lowsumerism não é fetiche

O sociólogo Jean Baudrillard defende que o consumo se dá quando uma relação entre o indivíduo e o significado do objeto é estabelecida, ou seja, é o signo do qual o objeto se reveste que o torna consumível. É aí que nasce a ilusão do “objeto de desejo”, algo carregado de valores e signos que é oferecido ao ser contemporâneo como capaz de suprir suas carências internas. No entanto, ao perceber que o objeto não pode preencher esse vazio, ele permanece frustrado, gerando uma doentia compulsão pelo preenchimento da realidade ausente. É um ciclo infinito que jamais se concretiza, justamente por não ter limites.

O Lowsumerism é a chave que vai alterar o movimento desta engrenagem.

Claro que existe a provável fatalidade da fetichização, posicionando o Lowsumerism como um lifestyle aspiracional, capaz inclusive de ser forjado: “ser lowsumer” pode virar um objeto de desejo a ser consumido de forma rasa, como uma febre passageira.

Um totem de nada

Porém, por mais que o teor fake ameace desqualificar os propósitos do Lowsumerism, sua comunicação persevera, expandindo o alcance de uma mensagem que é mais macro do que micro. O saldo é otimista.

Ideologias podem ser sazonais, mas elas se constroem a partir de um processo evolutivo que se apoia nos erros do passado para transcender o presente rumo a um futuro mais próspero. A noção da redução do consumo logo estará tão enraizada que dificilmente voltaremos a aplaudir o excesso.

liu bolin
Você é o que você consome: ao tornar-se invisível, o artista Liu Bolin questiona a relação contraditória entre nossa civilização e seu desenvolvimento.

Historicamente, períodos de transição ou de crise, como o que vivemos hoje, são favoráveis à inovação e abrem as portas para a evolução da criatividade humana. É dessa força que veremos surgir, nos próximos anos, novos comportamentos de nicho que apresentarão os desdobramentos do Lowsumerism. Muitos desses comportamentos ainda não podem ser previstos, uma vez que são suscetíveis a novos contextos societais. Outros deles, porém, são , iluminando os rumos possíveis para o futuro.

Manifestações do Lowsumerism no cotidiano

Inúmeras iniciativas podem ser citadas para exemplificar o crescimento do Lowsumerism na consciência coletiva. Desde o movimento biker, que faz crescer o desinteresse por parte dos jovens em adquirir um automóvel, até a tecnologia modular, que desafia a lógica do descarte tão comum na indústria de eletrônicos, todo o nosso zeitgeist se volta ao “menos é mais”.

Há uma série de microtendências que, juntas, compõem o entendimento de que o apetite desesperado pelo consumo está ultrapassando os limites.
Low consumerism = Lowsumerism = consumo equilibrado
Low consumerism = Lowsumerism = consumo equilibrado

Vemos cada vez mais pessoas trocando, doando, comprando usado, dividindo… Novos tipos de economia — sustentável, colaborativa, coletiva — entram em cena e renovam modelos capitalistas. Iniciativas empreendedoras não dependem mais de investidores financeiros para existir, permitindo que ideias inovadoras deixem de girar em torno do dinheiro.

O lucro, antes prioritariamente financeiro, passa a ser reavaliado por ângulos que ressignificam o conceito de sucesso. Alteram-se os critérios para o que seria uma pessoa ou um negócio bem sucedido, colocando em pauta outras motivações compensatórias: realização de propósito, desenvolvimento pessoal, satisfação criativa, _____________.

De modo geral, percebe-se em nosso tempo um cansaço geral da população em relação aos seus empregos, e isso nunca foi tão compreensível. O mercado de trabalho tradicional segue voltado para o excesso: crescimento da produção e aumento das vendas. Não à toa, vemos crescer o fenômeno do êxodo urbano, com a mudança das pessoas para o campo, praia ou ecovilas. São cidadãos que cansaram da vida na cidade grande, insuficiente de chances para que se trabalhe e viva bem com o que se ganha.

O ato da compra passa a ser revisto como um ato social, e com isso voltam hábitos de consumo ligados a valores locais e tradicionais. Rituais como frequentar o barbeiro do bairro ou adquirir alimentos em feiras tornaram-se uma forma de fortalecer o contato tête-à-tête que foi perdido com a frieza dos meios digitais. Cresce a figura do pequeno produtor rural, impulsionada pela preferência geral das pessoas por alimentação orgânica.

Projetos de zero waste e upcycling ganham o apreço de um público mais antenado, e é interessante observar como eles se beneficiam de uma linguagem cool e de uma estética contemporânea. A mentalidade DIY e o movimento Maker fizeram com que a produção independente deixasse de ser sinônimo de qualidade inferior quando comparada à produção em larga escala — pelo contrário. Tutorias de YouTube, slow food e busca por métodos naturais de cura são alguns exemplos de como o DIY ecoa nos hábitos emergentes.

No mercado de moda, revelações cada vez mais frequentes de condições trabalhistas precárias e análogas à escravidão incluíram questões éticas na decisão de compra do consumidor. As grifes mais espertas já estão tomando atitudes em relação a essa movimentação.

Outra manifestação representativa que se relaciona com o Lowsumerism é o fenômeno batizado pela revista Time como Mindful Revolution. Entram aqui a popularização de técnicas orientais milenares como yoga e meditação, a valorização do silêncio, a ideia de espiritualidade desassociada do esoterismo ou do misticismo, digital detox, fim da glamurização do workaholic, repúdio ao multitasking… Enfim, todo o comportamento humano atual tem se voltado para o que é “menos”.

lowsumerism vergonha

E tudo isso, inevitavelmente, impacta o mercado. Pode até parecer contraditório pensar na adaptação da indústria para o Lowsumerism, uma vez que estaria na gênese de todo tipo de negócio incentivar o consumo. Porém, o que todas as manifestações citadas mostram é que é possível ter uma perspectiva lowsumer para o ato de compra e venda e, ainda assim, manter o mercado ativo.

Daqui pra frente, a inovação não existirá se desassociada dos ideais de um consumo consciente. Afinal, nenhuma empresa sobrevive descolada das aspirações de sua época.

É claro que o dinheiro vai continuar circulando: essa é a moeda de sobrevivência no nosso modelo econômico. Mas o que as novas alternativas sugerem é que podemos evoluir a nossa maneira de ganhar e até aprender a gastar com mais inteligência e elegância.

O coro dos que compreenderam que o nosso ritmo de consumo é autodestrutivo e que nós não somos o que possuímos é um prenúncio do futuro. Indo contra a antiga mentalidade do “você é o que você consome”, o lowsumer entende que a mercadoria tornou-se apenas uma parte do amplo sistema de significações que lhe constitui enquanto indivíduo.

Adaptação para todos: como começar

A primeira atitude que um consumidor alinhado com essa nova consciência da realidade precisa ter é pensar antes de comprar, perguntando-se: eu realmente preciso disso? Eu posso pagar por isso? Ou apenas quero me sentir incluído ou afirmar minha personalidade? Eu sei a origem deste produto e para onde ele vai depois do descarte? Não estou sendo iludido pela propaganda? Qual é o impacto que este produto causa no meio ambiente?

Destes questionamentos geralmente surgirão três soluções possíveis para frear o consumismo: trocar, consertar, fazer.

lowsumerism quebre a lógica

Lowsumerism é um conceito que tem como objetivo fazer com que as pessoas reflitam sobre suas necessidades básicas e saiam da alienação do “comprar pelo comprar”, “comprar para acumular”, “comprar para ficar na moda”.

“Uma ínfima correção do essencial importa mais que cem inovações suplementares. A única coisa realmente nova é a direção da correnteza que leva consigo os lugares-comuns.”
— Raoul Vaneigem

O futuro catastrófico das previsões ambientais clama por uma mudança profunda na nossa mentalidade. Por sorte, estamos acostumados a mudar. Você já parou para pensar nesse paradoxo? A única constante na vida é a mudança. Observá-la é essencial para a melhor compreensão do hoje e do amanhã, abraçá-la é questão de escolha. Vivemos em um tempo em que o futuro parece cada vez mais próximo do presente, tamanha a rapidez das mudanças no mundo e no comportamento humano. Tudo acabou de mudar, agora mesmo enquanto você terminava esta leitura.

Versão resumida ×

O processo de autodestruição causado pelo consumismo só poderá ser freado por meio de um profundo despertar de consciência. Mas o que isso significa na prática? Como esse comportamento pode ser viável em uma sociedade dominada por indústrias e marcas?

As respostas vêm em camadas, são compostas por microtendências que levam a uma macrovisão da vida contemporânea. É ingênuo acreditar que hábitos individuais não interferem na vida de mais ninguém. Lowsumerism é um movimento que deve ser colocado em prática com urgência: o consumismo é um comportamento ultrapassado do qual logo sentiremos vergonha.

Todas as classes e todas as idades consomem, por isso o Lowsumerism impacta a todos. No Brasil, a classe C se empoderou economicamente nos últimos anos e, com isso, passou a consumir mais. Mais do que uma nova realidade, a possibilidade da compra passa a ser um reflexo das conquistas de vida, uma evolução do estágio em que o indivíduo se encontrava anteriormente — “se posso comprar, estou bem de vida”. O Lowsumerism não desmerece esse sentimento, uma vez que seu propósito central não é culpabilizar quem consome, mas propor a reflexão sobre o que é excesso para cada um.

O Lowsumerism não sugere a inibição dos desejos, mas sim que essas vontades sejam remodeladas a partir do entendimento que boicotar a excessividade diminui o impacto ambiental e social do consumismo.

A tendência é que, nos próximos anos, o mercado abrace esta mentalidade e assuma o papel de requalificar o desejo do consumidor, deixando-o menos associado ao excesso. O consumidor, cada vez mais consciente, abraçará as alternativas de novos modelos mercadológicos capazes de atender às suas necessidades e vontades de uma maneira menos nociva.

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