As novas economias e suas possibilidades de fluxo
Economia colaborativa, compartilhamento, crowdfunding, bike sharing, coworking, open source, wikis. A colaboração já faz parte do nosso vocabulário, mas ainda temos pouca clareza sobre as transformações que ela pode provocar. Não basta adicionar o termo “colaborativa” à expressão. Se quisermos provocar transformações, antes de tudo temos que revisitar nosso entendimento de economia.
Qualquer manual ou livro acadêmico diz que Economia é o estudo de como uma sociedade administra seus recursos escassos — ela se preocupa em resolver o problema da escassez. A economia nos lembra de que não há suficiente para todos. Comida, habitação, emprego, dinheiro, educação, conexão, afeto: estamos sozinhos em um universo de “outros”, lutando isolados, cada qual pela parte que lhe cabe.
Nesse mundo de escassez, ser bem sucedido implica em ter reservas de tudo aquilo que pode vir a faltar. E, se tudo passa pelo dinheiro, significa ter dinheiro suficiente para acessar todas essas coisas. É ser independente. É vencer sozinho. É não precisar da ajuda de ninguém.
Não à toa vivemos uma reconhecida . Junto com os recordes anuais de produção, antigimos níveis igualmente superiores de estresse, depressão e ausência de sentido.
Mas que tipo de sistema econômico cria solidão como efeito colateral inevitável? A resposta é simples: um sistema que substitui a nossa dependência dos outros e da natureza pela dependência de dinheiro.
Se boa parte do nosso tempo de vida é dedicado a atividades que nos tragam retorno financeiro, não sobram horas do dia para cuidarmos de nós mesmos, dos outros e do ambiente que nos cerca. Não temos mais tempo para o cultivo e a preparação de alimentos, para o cuidado com as crianças, os idosos e os doentes, para a brincadeira, para a arte. Isso é boa notícia para a economia, pois há sempre um produto ou serviço que podemos adquirir para suprir essas necessidades.
Nesse cenário, não basta fazermos novas escolhas de consumo. Não basta trabalharmos com propósito ou sermos as pessoas que vão ofertar novos produtos e serviços, mais justos e sustentáveis. Nada disso basta se seguirmos interpretando o mundo pelos mesmos óculos. Para nos libertarmos de um modelo econômico que destrói a natureza e nos afasta de toda e qualquer conexão significativa, temos que nos libertar de suas premissas. A liberdade não reside na escolha de consumo (“o que consumir?”), nem de produção (“com o que trabalhar?”), mas na escolha de como fazê-los.
Por mais contra-intuitivo que pareça, a gente só transforma quando transcende — rufam tambores — a forma. Se focarmos exclusivamente em conteúdo, podemos terminar em um mundo cheio de corporações para salvar baleias e redes de varejistas de produtos orgânicos. Vamos competir por quem senta mais tempo em meditação ou supera as metas anuais de reciclagem. Vamos todos ter carros elétricos, cada um estacionado em sua respectiva garagem com teto verde. E nada disso vai solucionar a crise ambiental, a desigualdade ou a epidemia de solidão.
Não é possível solucionar o problema da escassez a partir da mentalidade da escassez. E para experimentarmos a não-escassez, para nos conectarmos com a abundância, precisamos mudar o “como”. Uma nova economia passa necessariamente por uma nova forma de organização social.
Ok. Mas mas então como fazemos?
Existem basicamente três formas de organização social: centralizada, decentralizada e distribuída. Enquanto na primeira todos os pontos se conectam a partir de um centro, na última, todos estão conectados com todos, diretamente.
Os três tipos de organização, ou redes sociais, co-existem e as mesmas pessoas podem se organizar dessas três formas, dependendo de como se conectam. No diagrama acima podemos notar que os nós, nas três configurações de rede, estão no mesmo lugar (são as mesmas pessoas). Deste modo, o que determina se uma rede ou organização é centralizada, descentralizada ou distribuída não são os nós e suas posições, mas sim a dinâmica das conexões entre os nós e a estrutura que elas proporcionam. Em outras palavras, é a interação, ou o que acontece entre os nós da rede.
A maior parte das organizações humanas que conhecemos — igreja, governo, escolas, ONGs e empresas — são do tipo descentralizadas. Essa é a tal da hierarquia. A informação só flui por caminhos pré-determinados, passíveis de controle pelos pequenos ou grandes centros.
Um fator importante ao olharmos para os tipos de organização é como eles influenciam o comportamento das pessoas conectadas. Em organizações hierárquicas, mais centralizadas do que distribuídas, o único caminho é o topo, e nem todo mundo pode chegar lá. Dado esse pressuposto, é difícil esperar outro tipo de comportamento que não o da competição e do auto-interesse. Cooperar com o outro seria como escolher o bem alheio em detrimento do meu.
Em estruturas distribuídas ou horizontais, todos se conectam com todos. Logo, não há a escassez de caminhos. Colaborar com o outro é a única forma de materializar uma dentre as infinitas possibilidades do campo. Nesses tipos de organização, o melhor para o todo é também o melhor para mim.
As tecnologias digitais, em especial a Internet, são as grandes catalisadoras para a existência global de organizações distribuídas e vêm modificando completamente o campo social, uma vez que nos mostram que é possível nos conectarmos diretamente, para fazer qualquer coisa. Ao interargirmos, ampliamos as possibilidades de fluxo, não só de informação mas também de recursos. É aí que surge a economia colaborativa.
A economia como fluxo
Em oposição à economia tradicional – em que criamos estoques para nos protegermos da escassez – os mercados colaborativos enxergam a abundância e promovem o fluxo. Se há vários carros parados nas garagens, porque não compartilhar o seu uso? Se muitas pessoas tem um pouquinho de dinheiro guardado, por que recorrer a um banco para financiar projetos? Se todo mundo tem algum conhecimento interessante, por que manter a “educação” restrita às escolas e instituições de ensino?
Nos mercados colaborativos, os agentes econômicos mudam de papel: aqueles que antes eram porteiros — garantem que só entra, só acessa, só usufrui aquele que paga — tornam-se conectores. Dedicam-se a criar ferramentas, serviços, espaços para estimular a interação entre as pessoas e garantir o fluxo de recursos daqueles que têm para aqueles que precisam.
Quando falamos de estruturas horizontais, falamos também de papéis fluídos e mutáveis.
Vamos olhar para o exemplo da Wikipedia: quando eu uso meu tempo livre para editar um artigo voluntariamente, estou adicionando o meu pedaço a um corpo de conhecimento gratuito e disponível, em tempo real, para todos, inclusive eu mesma. Eu sou, ao mesmo tempo, produtora e consumidora; contribuidora e beneficiária.
A boa notícia é que já são muitos os exemplos dentro dessa nova mentalidade econômica. Eles vão desde o Landshare, que conecta aqueles que têm a terra aos que têm a habilidade de plantar; até o Tem Açúcar, que incentiva vizinhos a compartilharem, trocarem ou emprestarem aquilo que precisam.
O que esses projetos, negócios, organizações e movimentos têm em comum é a horizontalidade e a colaboração. Eles estão surgindo e se alastrando ao redor do mundo em ritmo acelerado. Se ainda são invisíveis ou parecem irrelavantes para olhares céticos, é exatamente porque eles não seguem o padrão engessado das velhas instituições. Porém, é assim que eles são capazes de transformar nosso olhar sobre a economia, a política, a sociedade, e as nossas vidas. A revolução é silenciosa.
Qualquer manual ou livro acadêmico diz que Economia é o estudo de como uma sociedade administra seus recursos escassos — ela se preocupa em resolver o problema da escassez. A economia nos lembra de que não há suficiente para todos. Comida, habitação, emprego, dinheiro, educação, conexão, afeto: estamos sozinhos em um universo de “outros”, lutando isolados, cada qual pela parte que lhe cabe.
Nesse mundo de escassez, ser bem sucedido implica em ter reservas de tudo aquilo que pode vir a faltar. E, se tudo passa pelo dinheiro, significa ter dinheiro suficiente para acessar todas essas coisas. É ser independente. É vencer sozinho. É não precisar da ajuda de ninguém.
Não à toa vivemos uma reconhecida epidemia de solidão. Se boa parte do nosso tempo de vida é dedicado a atividades que nos tragam retorno financeiro, não sobram horas do dia para cuidarmos de nós mesmos, dos outros e do ambiente que nos cerca.
Para nos libertarmos de um modelo econômico que destrói a natureza e nos afasta de toda e qualquer conexão significativa, temos que nos libertar de suas premissas. A liberdade não reside na escolha de consumo (“o que consumir?”), nem de produção (“com o que trabalhar?”), mas na escolha de como fazê-los.
As tecnologias digitais, em especial a Internet, são as grandes catalisadoras para a existência global de organizações distribuídas e vêm modificando completamente o campo social, uma vez que nos mostram que é possível nos conectarmos diretamente, para fazer qualquer coisa. Ao interargirmos, ampliamos as possibilidades de fluxo, não só de informação mas também de recursos. É aí que surge a economia colaborativa.
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