Nativos digitais no mercado de trabalho: barreiras da carga horária tradicional
Todos nós conhecemos histórias de pessoas que entraram em depressão devido à alta carga de horário de trabalho, outras simplesmente surtam devido ao estresse, sem contar os problemas cardíacos, alimentares e de qualidade de vida que toda uma geração vem enfrentando como resultado de uma extensão da jornada de trabalho. O que tudo isso mostra? Chegamos ao limite do modo de trabalhar que vem se desenvolvendo desde a revolução digital, com a criação da world wide web em 1989.
Gerações passaram, centenas de pesquisas e análises foram feitas, identificaram-se os millenials e suas características, nasceram os primeiros nativos digitais e eles já são atuantes no mercado, mas continuamos com a mesma carga horária do começo do século XX.
É claro que o ambiente de trabalho mudou: hoje temos escritórios que permitem recreação, oferecem espaços lúdicos e cerveja aos colaboradores, e a hierarquia vem cedendo espaço a formatos mais horizontais. Mas a questão é: o tempo continua sendo o mesmo. Não importa se a empresa oferece um chef renomado ou mesa de ping pong, ainda se passa mais de oito horas por dia no escritório, sendo que muitos continuam o trabalho ao chegar em casa.
Hoje o trabalho é facilitado por ferramentas que nos permitem mais precisão e rapidez no dia a dia, programas de computador cada vez mais completos, maquinário industrial mais eficiente, smartphones, reuniões feitas em salas de conferência que dissiparam as barreiras físicas, entre outras. Contudo, ainda somos obrigados a trabalhar oito horas diárias.
“À medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do homem com uma rapidez e uma precisão incessantemente crescentes, o operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e mortal!” — Paul Lafargue
Da revolução industrial aos millenials
A história da carga horário de trabalho durante os últimos três séculos mostra que apenas em 1844 tornou-se lei na Inglaterra, o país gênesis da Revolução Industrial (1760), a carga horária diária de 12 horas para adultos e 6,5 horas para crianças. Sim, crianças podiam trabalhar durante mais de seis horas em fábricas, e anteriormente, a carga horária para um adulto podia chegar a 16 horas diárias sem direito a fim de semana de folga.
Foi só em 1868 que os Estados Unidos deram a todos os funcionários federais o direito de trabalhar no máximo oito horas diárias, seguido Porto Rico em 1899, quando os funcionários públicos também conseguiram tal direito. A partir daí, o direito de não passar mais que 1/3 do dia trabalhando foi sendo conquistado por trabalhadores ao redor do mundo durante todo o século XX. Mas ainda hoje, no ano de 2016, em dezenas de países, a luta continua. Na China, por exemplo, a carga horária diminui a cada ano e salários aumentam, mas ainda está longe de alcançar os milhões e diferentes trabalhadores chineses.
Cena do filme Tempos Modernos, Charles Chaplin, 1936
Hoje a maior força de trabalho nos EUA — e em breve a maior do mundo — são os millenials, uma geração que decidiu encontrar o balanço entre a vida pessoal e a profissional, mesmo que as duas não sejam mais tão separadas como antes. São pessoas que decidiram que empreender seria o caminho mais lógico, que buscaram trabalhar com o que gostam em vez de somente pensar no salário do fim do mês, uma geração que supostamente transformaria o mundo, e consequentemente a forma de trabalhar.
Muito mudou, mas uma barreira segue quase intransponível para os millenials: todos precisam pagar suas contas, ir ao mercado, sair vez ou outra para se divertir, e isso tudo tem um custo. Logo, apesar de ser a geração que decidiu encontrar um sentido além do normativo para a vida, a mesma esbarrou na realidade de um mundo onde nem todos podem largar tudo e procurar um sentido. A busca ficou para depois da conta de luz que vence no próximo dia 10. O resultado mais provável é, sem dúvidas, a frustração. Uma geração preparada como nenhuma outra, com acesso a um mundo de conhecimento ao alcance dos dedos, mas que, apesar de tentar, ainda não conseguiu encontrar uma saída para o sistema.
Obsolescência da jornada e necessidade de mudança
Pesquisas indicam que dentre as oito horas trabalhadas diariamente, entre uma e duas horas são gastas com e-mails pessoais, redes sociais, conversas com colegas de trabalho, ou mesmo olhando para a tela do computador pensando em tudo menos no trabalho a fazer. Outro estudo, realizado pela Universidade de Standford, mostrou que não existe verdade na relação de mais horas trabalhadas e mais produtividade, ao contrário. Aquelas supostas oito horas diárias na realidade são seis, uma vez que não é possível ficar focado durante mais tempo que isso.
Entretanto a obrigação de estar no trabalho além do que de fato se trabalha, sem contar o deslocamento e coisas afins, faz com que o cansaço seja inevitável e que a produtividade caia imensamente. Pergunte a qualquer pessoa o que duas horas a menos no trabalho significaria e você ouvirá mil e um devaneios sobre o que seria possível fazer, desde passar mais tempo com os filhos, até finalmente aprender a tocar um instrumento e praticar um novo esporte, ou ainda buscar se aperfeiçoar profissionalmente através de novos cursos e horas de estudo. Neste cenário, a via é de mão dupla: as empresas teriam funcionários mais motivados e satisfeitos, que poderiam fazer em seis horas muito mais do que em oito.
“O ócio é necessário à produção de ideias, e as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade. Do mesmo modo que dedicamos tanto tempo e tanta atenção para educar os jovens para trabalhar, precisamos dedicar as mesmas coisas e em igual medida para educá-los ao ócio.” – Domenico de Masi
Exemplo recente pode ser encontrado na Suécia, onde diversas empresas têm testado a carga horária de seis horas diárias sem decréscimo salarial, o que já começa a ser seguido por empresas na Inglaterra. Apesar de serem países ricos e privilegiados, é preferível que essa prática não seja tomada como exceção impossível, mas exemplo a ser seguido. Até o momento os resultados são positivos, com colaboradores mais felizes e produtivos, com empresas aumentando o lucro. O único ponto negativo encontrado na diminuição da jornada de trabalho, até então, é que muitas pessoas não sabem bem o que fazer com o tempo livre, afinal, nunca o tiveram. Está aí o tempo preciso para a “busca de sentido” citada anteriormente, que pode-se chamar de ócio, termo cunhado no século XIX, com defesa de teóricos como Paul Lafargue com “O Direito à Preguiça”, Bertrand Russell e Domenico de Masi.
A ética protestante difundida no mundo todo, em que o trabalho é o único elemento capaz de dignificar o homem e fazê-lo alcançar a iluminação espiritual, foi um método de dominação. Hoje não acreditarmos mais na salvação por meio do trabalho para encontrar Deus, porém transformamos o trabalho no próprio Deus, a ser cultuado todos os dias. A maior parte das empresas ainda é dirigida por gerações que acreditam que trabalhar muito é o caminho, afinal foram condicionados durante toda a vida a acreditar nisso. E mesmo as companhias geridas por jovens tendem a seguir o mesmo modelo, uma vez que o risco de testar algo novo assusta muitos. Novas gerações estão chegando e fazendo com que essa jornada de trabalho arcaica fique obsoleta e nociva. Mais uma vez caímos na velha máxima: empresas que se adaptarem sobreviverão, as outras colherão o desprezo da nova geração e o amargo rancor de uma geração explorada aos seus limites. A mudança sempre chega, e dessa vez ela já está atrasada. Talvez tenha ficado presa no trabalho.
“Uma das coisas mais tristes é que a única coisa que um homem pode fazer oito horas por dia, dia após dia, é trabalhar. Não se pode comer oito horas por dia, nem beber oito horas por dia, nem fazer amor oito horas – tudo o que se pode fazer durante oito horas é trabalhar. É esse o motivo pelo qual o homem torna, a si e a todos os demais, infelizes e miseráveis.” – William Faulkner
Chegamos ao limite do modo de trabalhar que vem se desenvolvendo desde a revolução digital, com a criação da world wide web em 1989. Gerações passaram, centenas de pesquisas e análises foram feitas, identificaram-se os millenials e suas características, nasceram os primeiros nativos digitais e eles já são atuantes no mercado — mas continuamos com a mesma carga horária do começo do século XX.
É claro que o ambiente de trabalho mudou: hoje temos escritórios que permitem recreação, oferecem espaços lúdicos e cerveja aos colaboradores, e a hierarquia vem cedendo espaço a formatos mais horizontais. Mas a questão é: o tempo continua sendo o mesmo. Não importa se a empresa oferece um chef renomado ou mesa de ping pong, ainda se passa mais de oito horas por dia no escritório, sendo que muitos continuam o trabalho ao chegar em casa.
Hoje a maior força de trabalho nos EUA — e em breve a maior do mundo — são os millenials: uma geração que decidiu encontrar o balanço entre a vida pessoal e a profissional, mesmo que as duas não sejam mais tão separadas como antes. São pessoas que decidiram que empreender seria o caminho mais lógico, que buscaram trabalhar com o que gostam em vez de somente pensar no salário do fim do mês, uma geração que supostamente transformaria o mundo, e consequentemente a forma de trabalhar.
Mas uma barreira segue quase intransponível para os millenials: todos precisam pagar suas contas, ir ao mercado, sair vez ou outra para se divertir, e isso tudo tem um custo. Logo, apesar de ser a geração que decidiu encontrar um sentido além do normativo para a vida, a mesma esbarrou na realidade de um mundo onde nem todos podem largar tudo e procurar um sentido.
Exemplo recente pode ser encontrado na Suécia — que apesar de ser um país extremamente rico e privilegiado, é preferível que não seja usado como exceção impossível, mas exemplo a ser seguido — onde diversas empresas têm testado a carga horária de seis horas diárias sem decréscimo salarial, e que já começa a ser seguido por empresas na Inglaterra. Até o momento os resultados são positivos, com colaboradores mais felizes e produtivos, com empresas aumentando o lucro.
Novas gerações estão chegando e fazendo com que a jornada de trabalho tradicional fique obsoleta e nociva. Mais uma vez caímos na velha máxima: empresas que se adaptarem sobreviverão, enquanto as outras serão obrigadas a colher o amargo rancor de uma geração erroneamente explorada aos seus limites e o desprezo de uma nova. A mudança sempre chega, e dessa vez ela já está atrasada, talvez ficou presa no trabalho.
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