Passarelas da não-linearidade
Assim como os antigos tutoriais de etiqueta, a seção de “certo e errado” de uma revista de moda não faz mais sentido. Nos últimos anos, a moda tem estado menos engessada por mandamentos das passarelas, enquanto a voz das ruas tem ganhado indiscutível relevância.
A mentalidade não-linear típica da contemporaneidade contamina também a moda e implode os padrões tradicionais de referência. A glorificação das fashion weeks como lançadoras absolutas de tendências cai por terra quando todos parecem beber da mesma fonte de inspiração. A rua se torna tão influente quanto a passarela, mudando a ideia de que tendências são unidirecionais e classistas.
Essa dinâmica fica clara no blog “O que o povão usa” que, de modo bem humorado e provocativo, compara roupas usadas no cotidiano de pessoas comuns a looks de passarelas. Quem teria inspirado quem? O idealizador do blog, Douglas Carlos, responde:
“Falei como pude da classe C, que sempre foi excluída pelos ultrapassados ditadores da moda.”
Clara evidência deste movimento é o fenômeno dos blogs de streetstyle, que explodiram na segunda metade dos anos 2000, permitindo que o #lookdodia de anônimos virasse referência de estilo. Democrático, o formato passou a influenciar uma legião de seguidores. As marcas mais espertas souberam se aproveitar deste movimento, criando parcerias com blogueiras que figuravam em desfiles e até assinavam coleções. Foi o ápice das it girls.
Hoje, no entanto, são raras as blogueiras que continuam influentes. Muitas caíram no lugar comum que apresenta um visão parcial e bastante tendenciosa do que é a moda. Algumas transformaram seus blogs em instrumentos de exibicionismo, ostentando roupas distantes da realidade da maioria dos leitores. Nessa dinâmica, o que surge como curiosidade de conhecer novos estilos termina em afastamento. Ou em um de humor Smart Trolling.
Plataformas como e Lookbook ganham força como referência, uma vez que pulverizam as fontes e abrem espaço para o que está fora do radar das grandes publicações. O Tumblr, inclusive, tem convidado seus principais usuários para fazer a cobertura oficial de eventos como a semana de moda de Nova York. São novos olhares em relação à moda, disseminados entre um público desacostumado a consumir as tradicionais revistas do segmento.
A moda segundo iconoclastas
A moda está tão cansada dela mesma que as criações mais interessantes têm partido de artistas que não são originalmente estilistas. São iconoclastas da cultura atual que mantém um forte vínculo com sua própria identidade estética.
A cantora M.I.A. criou uma coleção em parceria com a Versus Versace, lançada simultaneamente a seu álbum “Matangi”. Outro de seus mais recentes clipes, Y.A.L.A., também teve ligação com a moda, com styling assinado pela Kenzo.
Kanye West se juntou à Adidas para lançar uma linha de roupas masculinas em parceria com a marca parisiense A.P.C. Composta por camisetas, moletons e jeans minimalistas, a coleção esgotou em questão de horas depois de lançada oficialmente no site da marca.
Em fevereiro de 2014, Solange foi diretora artística de uma linha da Puma chamada “Girls Of Blaze Disc Collection”, selecionando estilistas promissores que tivessem cacife para reinventar um ícone da marca, o tênis Disc Blaze.
As fontes são outras
É necessário, no entanto, ponderar sobre a apropriação do estilo street. Quando há excesso de produção em um styling inspirado na rua, torna-se difícil comunicar despretensão — característica que geralmente se espera das ruas.
O capítulo sucessor dessa história é o surgimento de uma contra-tendência que valoriza o conforto e o minimalismo que o streetstyle nem sempre supre. são conceitos derivados da ressaca do excesso, ressignificando o valor das “roupas de ficar em casa”, antes ignoradas e até debochadas pela moda.
A abordagem mais honesta e crua da revista Transmission deu margem para que uma sandália Crocs aparecesse em um editorial de moda. Parece piada um dos símbolos de suicídio fashion ser tratado com status de ícone, mas é justamente esse o ponto: perdeu-se o medo de ser considerado fora de moda.
Quando os recursos parecem estar se esgotando em si mesmos, vale a pena lembrar o conceito básico de que as roupas servem às pessoas, e não o contrário.
A ideia de que uma tendência vem sempre de cima para baixo — da elite para o popular — está desgastada.
Assim como a sociedade evolui ao passo que acompanha as sinuosidades da rua, a moda também se reinventa seguindo essas novas referências. Hoje, as inspirações transitam fluidas e podem estar em qualquer lugar: o molde é a inexistência de um molde.
A mentalidade não-linear típica da contemporaneidade contamina também a moda e implode os padrões tradicionais de referência. A glorificação das fashion weeks como lançadoras absolutas de tendências cai por terra quando todos parecem beber da mesma fonte de inspiração. A rua se torna tão influente quanto a passarela, mudando a ideia de que tendências são unidirecionais e classistas.
A moda está tão cansada dela mesma que as criações mais interessantes têm partido de artistas que não são originalmente estilistas. São iconoclastas da cultura atual que mantém um forte vínculo com sua própria identidade estética.
Quando os recursos parecem estar se esgotando em si mesmos, vale a pena lembrar o conceito básico de que as roupas servem às pessoas, e não o contrário. A ideia de que uma tendência vem sempre de cima para baixo — da elite para o popular — está desgastada. Assim como a sociedade evolui ao passo que acompanha as sinuosidades da rua, a moda também se reinventa seguindo essas novas referências. Hoje, as inspirações transitam fluidas e podem estar em qualquer lugar: o molde é a inexistência de um molde.
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