Periferias emergem como novos centros de arte contemporânea

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Confira 10 destaques da 32ª Bienal de São Paulo

por Mayra Fonseca capa Dalton Paula (Paulo Resende / Sé Galeria / Divulgação)

“Isto aqui não é arte.” A frase está escrita no chão, como tapete de entrada para a morada que, na obra “OcaTaperaTerreiro” de Bené Fonteles, representa a aproximação de diferentes arquiteturas brasileiras: a obra é Oca e é também Tapera e é também Terreiro.

Ágora: OcaTaperaTerreiro (2016), obra por Bené Fonteles
Ágora: OcaTaperaTerreiro (2016), obra por Bené Fonteles

Sem suprimir nem valorizar apenas uma cultura, a obra é uma das tantas sínteses possíveis da 32ª Bienal de São Paulo: em tempos incertos, as soluções para nossos dilemas podem estar em encontros com o diferente.

Feita para gerar “conversas para evitar o fim do mundo”, a obra propõe colocar em um pedestal a arte do encontro. A construção ocupa boa parte do térreo da Bienal e abriga objetos normalmente expostos na casa do artista. O tapete é um convite para que tiremos nossas histórias dos fundos das gavetas e tratemos objetos da família como o acervo que são.

“Incerteza Viva é sentida em toda parte. É uma condição que se infiltra em nossas cabeças, nossos corpos, nas ruas, no mercado, na floresta ou nos campos.” — Jochen Volz

Um dos convites da Bienal é para a desaprendizagem: rever todas as categorias do que é saber, valor, central. Na mostra de arte contemporânea, as periferias emergem como novos centros artísticos e a curadoria propõe diversidade como potencial criativo de transformação de mundo.

Um passeio pelos pavilhões revela onde os artistas foram buscar repertório para seus trabalhos: no feminino (e no feminismo), nos interiores, nas ribeiras, nas plantações e hortas. Mulheres, comunidades indígenas e afrodescendentes são referenciadas e relembradas obra pós obra.

Nas imersões e pesquisas dos processos de criação desta Bienal, visitas e trabalhos foram desenvolvidos, por exemplo, no Mato Grosso, na Chapada dos Guimarães, em Cuiabá, no Cerrado, no Xingu. É uma grata surpresa ouvir falas de antropólogos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, de pensadores indígenas como Ailton Krenak ou de escritoras como Grada Kilomba.

A Bienal contempla Brasis, Américas, Áfricas e tantos de nós, que estamos incertos e vivos neste mundo contemporâneo. Se é arte ou não, cabe a cada um avaliar.

Inspiração originária e energia propulsora — 10 destaques da exposição

1. Bárbara Wagner – Mestres de Cerimônias (2016) e Estás vendo coisas (2016)

Nas obras visuais (fotografias e filme), a artista revela o universo dos MC’s do funk e do brega em Pernambuco e em São Paulo, documentando a vida dos jovens do movimento. O corpo popular e as coreografias sociais são alguns de seus temas de produção.

“Brega é um termo informal usado para definir várias formas de música popular de massa produzidas no Brasil desde os anos 1970 e fortemente associadas a uma noção de mau-gosto. Enraizado em contextos sócio-econômicos mais amplos, hoje o Brega incorporou métodos de produção e distribuição sofisticados, dando conta da visibilidade de uma classe média que extrapola as favelas do Brasil.” — Bárbara Wagner

Bené Fonteles

2. Bené Fonteles – Ágora: OcaTaperaTerreiro (2016)

Essa é uma instalação sobre o encontro de diferentes culturas brasileiras. Paredes de taipa, teto de palha. Uma obra que é sobre o uso do espaço e as formas de ritualizar a existência humana. Dentro, estão expostos objetos resultantes das viagens do artista a diversas regiões do país: lamparinas, altares, redes de pesca. A obra é um convite ao encontro, ao reencantamento do mundo, ao romper as fronteiras entre o que é popular e o que é erudito.

Carolina Caycedo

3. Carolina Caycedo – A Gente Rio (2016)

Uma pesquisa e projeto artístico sobre a vida nos rios e nas suas margens, com e sobre comunidades ribeirinhas, provocando reflexões sobre o impacto de obras relacionadas à privatização das águas. Em seu trabalho, fotografias de satélite, vídeos, tarrafas coletadas durante suas viagens de campo, desenhos que contam narrativas indígenas, por exemplo sobre os Rios Doce e Iguaçu.

Dalton Paula

4. Dalton Paula – Rota do Tabaco (2016)

A invisibilidade da cultura afro-brasileira e a cura no eixo Goiás—Bahia—Cuba são os temas retratados no trabalho do artista que questiona quais são os suportes para contação de histórias plurais e justas. Nesta obra, objetos de cozinha e de oferenda explicitam que é no cotidiano que estão muitas informações que são preciosas para a compreensão de quem somos.

Grada Kilomba

5. Grada Kilomba – The Desire Project (2016)

Se alguém perguntar qual é a obra obrigatória em uma visita à Bienal, sem dúvidas, diria que é a videoinstalação da mulher portuguesa negra que é escritora, pensadora e artista por uma descolonização do pensamento. While I Speak, While I Write e While I Walk são os 3 momentos da obra que coloca palavras e sons em primeiro plano em um movimento contra o silenciamento e o apagamento de discursos marginalizados.

Jonathas de Andrade

6. Jonathas de Andrade – O peixe (2016)

O homem do Nordeste, o universo do trabalho e do trabalhador, uma paleta de cores que permite destaque ao cotidiano, o processo coletivo como próprio resultado. Essas são características das obras do artista de Maceió que também aparecem em O peixe. Ele acompanhou pescadores que utilizam modos tradicionais de pesca em Alagoas, como rede e arpão, para registrar o tempo do pescar e o afeto entre o trabalhador e o peixe. Uma obra que faz questionar o ritmo do contemporâneo e revela a marcação do tempo na respiração da morte do alimento.

Jorge Menna Barreto

7. Jorge Menna Barreto – Restauro (2016)

Com uma linha de trabalho que pretende despertar a consciência da especificidade de cada lugar, o artista traz de novo à Bienal a proposta de encarar a potência artística do alimentar como espaço educativo e de mediação. A obra é um restaurante que funciona durante toda a Bienal e traz receitas com plantas e com produção articulada por uma rede de produtores, cozinheiros e educadores.

Maria Thereza Alves

8. Maria Thereza Alves – Uma possível reversão de oportunidades perdidas (2016)

Qual é o lugar dos povos nativos e das mulheres na construção de conhecimento, no saber institucionalizado? É essa pergunta que move o trabalho da artista. Para esta Bienal, ela propõe cartazes para conferências fictícias em um genuíno exercício de imaginação para a diversidade. Ela convidou estudantes indígenas a pensar como seriam encontros científicos destacando a presença e saber dos povos originários. Sobre saúde, engenharia, educação, ciência, arte, cultura e filosofia: a obra traz possibilidades de estudos a partir de narrativas não colonizadoras do pensamento.

Coletivo Opavivará

9. Coletivo Opavivará – Transnômades (2016)

O coletivo de artistas da cidade do Rio de Janeiro faz uma releitura de objetos cotidianos mudando imagens e interpretações sociais. Transnômades é um desdobramento do projeto de 2009 Eu ♥ camelô e traz reflexões sobre o modo de vida e trabalho dos ambulantes no contexto urbano. Dessa vez, o objetivo foi transformar os carrinhos dos ambulantes em móveis para seus momentos de lazer: uma cama, uma biblioteca.

10. Coletivo Vídeo nas Aldeias – O Brasil dos índios: um arquivo aberto (2016)

O projeto Vídeo nas Aldeias foi criado em 1986 com a intenção de promover a formação de documentaristas indígenas ao deixar o controle das suas narrativas em suas próprias mãos. Um nova seleção, com trechos de luta e resistência, foi feita exclusivamente para a Bienal. Em alguns trechos, os vídeos aparecem sem legenda de propósito: o público não é o protagonista e nem capaz de tocar e ser tocado pelo universo simbólico apresentado, se não conhece o sistema de linguagens e percepção de mundo dos indígenas.

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Sem suprimir nem valorizar apenas uma cultura, a obra “OcaTaperaTerreiro” de Bené Fonteles é uma das tantas sínteses possíveis da 32ª Bienal de São Paulo: em tempos incertos, as soluções para nossos dilemas podem estar em encontros com o diferente.

Um dos convites da Bienal é para a desaprendizagem: rever todas as categorias do que é saber, valor, central. Na mostra de arte contemporânea, as periferias emergem como novos centros artísticos e a curadoria propõe diversidade como potencial criativo de transformação de mundo.

Um passeio pelos pavilhões revela onde os artistas foram buscar repertório para seus trabalhos: no feminino (e no feminismo), nos interiores, nas ribeiras, nas plantações e hortas. Mulheres, comunidades indígenas e afrodescendentes são referenciadas e relembradas obra pós obra.

A Bienal contempla Brasis, Américas, Áfricas e tantos de nós, que estamos incertos e vivos neste mundo contemporâneo. Se é arte ou não, cabe a cada um avaliar.

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