Empreendedorismo consciente: impactos do protagonismo feminino

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Mulheres criam seus próprios negócios e inovam com a priorização de modelos que unam rentabilidade, satisfação pessoal e transformação socioambiental

por Marina Colerato

Propósito. É o que está movendo uma nova geração de pessoas a criarem seus próprios negócios com base em seus valores pessoais, que muitas vezes coincidem com os melhores interesses da sociedade. Mas quando colocamos uma lupa nesse movimento crescente, entendemos que são as mulheres que estão à frente dessa corrente.

São elas que estão criando marcas, empresas, start-ups e projetos com potencial de transformação social e ambiental no Brasil e no mundo.

O conservadorismo de empresas tradicionais passou a limitar a expressão das potencialidades das mulheres. Desvalorizadas, elas começam seus próprios negócios, sob suas próprias regras.

Os números justificam o incômodo. Apenas 4% dos cargos de CEO das 500 maiores empresas listadas na Fortune são ocupados por mulheres. No Brasil, entre as 500 maiores empresas, apenas 11,5% dos cargos da alta direção eram femininos. Até em indústrias compostas majoritariamente por mulheres, como é o caso da indústria da moda: das 50 maiores marcas do segmento, apenas 14% são lideradas por mulheres. Também não há nenhuma mulher entre os 10 CEOs mais bem pagos da indústria.

Com a possibilidade reduzida de crescer e chegar a cargos de tomada de decisão, é por meio do empreendedorismo que as mulheres encontram uma rota para unir propósito e carreira. De acordo com o Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2007), as mulheres brasileiras ocupam o 7º lugar no ranking mundial entre as mais empreendedoras do mundo, com uma taxa de 12,71%. O gênero feminino é hoje responsável por 38% do total de estabelecimentos empresariais do país.


Aykut Aydoğdu

A porcentagem de mulheres à frente de negócios não só aquece a economia como também gera mudanças socioambientais positivas. De acordo com U.S Trust Insights On Wealth And Worth, a responsabilidade social é uma prioridade para a mulher empreendedora, e mulheres bem sucedidas são mais propensas que homens bem sucedidos a serem donos de uma empresa que possa unir paixões pessoais e gerar impactos positivos no mundo. As pesquisam apontam que 70% das mulheres estão comprometidas a pensar sobre sustentabilidade nos seus negócios, contra 62% entre homens.

Não é difícil levantar exemplos que tornam esses números realidade em diferentes segmentos do mercado.

Alice Freitas, da Rede Asta, encontrou nos negócios sociais uma maneira de fazer a diferença.

Há mais de 10 anos na ativa, a Rede Asta gera inclusão social por meio da produção de produtos a partir de resíduos. Com sede no Rio de Janeiro, oferece treinamento, forma redes de produção e cria canais de venda física com o objetivo de gerar empoderamento social das mulheres. São artesãs distribuídas em 60 grupos produtivos, e em 10 cidades brasileiras.

“Após viajar pelo mundo e conhecer negócios sociais incríveis, me dei conta de que não poderia fazer outra coisa além disso. Passei a sentir necessidade de que o meu trabalho não fosse uma fonte de enriquecimento só para mim, mas que pudesse contribuir para a sociedade como um todo.” — Alice Asta

A também carioca Mais Alma nasceu em 2015 com o objetivo de conectar fazedores com consumidores preocupados e conscientes. Ana Fracasso e Julia Bedolo criaram um e-commerce de produtos feitos por pequenos artistas, designers e estilistas, produzidos com ética e responsabilidade social e ambiental.

A Mais Alma propõe ressignificar o consumo e valorizar peças locais de design brasileiro. A produção resgata valores do ser humano que ficaram perdidos em meio à produção em massa e ao consumismo desenfreado.


Pioneira na produção de cosméticos naturais, orgânicos e veganos no Brasil, a Surya Brasil desenvolve cosméticos naturais desde 1995. As fundadoras Clelia Angelon e Wanda Malhotra não se restringem à produção de cosméticos com ética. A empresa atua pela proteção dos animais, preservação ambiental, desenvolvimento pessoal e direitos humanos. Com um pé no Brasil e outro nos EUA, a Surya investe em projetos sociais como o Construindo Talentos, em parceria com o orfanato Marly Cury.

“Não estamos somente no negócio de cosméticos naturais. Estamos no negócio de tomar decisões conscientes envolvendo um estilo de vida mais saudável que respeita todas as criaturas, o planeta e o futuro.” — Clelia Angelon


Iniciativa premiada de Lu Bueno, o Banco de Tecido funciona como um banco cuja moeda de troca são tecidos, principalmente de moda e decoração. A ideia é reavivar tecidos parados em confecções e ateliês, diminuindo o consumo e evitando desperdício.


Na área de tecnologia, a InfoPreta é feita por mulheres e para mulheres. A empresa tem várias frentes e uma delas é proporcionar para todas as mulheres, principalmente moradoras periféricas, o acesso facilitado à manutenção de seus computadores com segurança. Outro propósito dessa empresa é impulsionar mulheres para a área de Exatas e potencializar a formação de mulheres em situação periférica através da democratização do acesso à internet.

Think Eva é o braço de negócios da ONG feminista Think Olga. Liderado por 5 mulheres, propõe-se a ajudar grandes marcas e empresas a repensar o papel da mulher na publicidade para reduzir mensagens violentas, objetificação e sexismo nas campanhas. Com uma crença na profunda transformação que a comunicação pode exercer sobre o mercado e a sociedade, Eva conduz marcas na criação de um diálogo respeitoso, cuidadoso e honesto.

De maneira isolada, porém, o empreendedorismo não é capaz de transformar a sociedade como um todo. As questões da transformação social e ambiental almejadas por estas mulheres não cabem todas na mão do empreendedorismo, e elas sabem disso. São necessárias ações sociais e governamentais que escapem da estrutura dos negócios e da iniciativa privada para, de fato, chegarmos a uma sociedade mais igualitária.

Negócios costumam ter o único propósito de gerar lucro a qualquer custo, e é interessante que sejam justamente as mulheres as responsáveis por defender novas bandeiras neste ambiente hostil. Talvez elas se importem menos em correr riscos, justamente por estarem acostumadas a ter sua potência subestimada. A diferença de salário, machismo em ambiente de trabalho, barreiras sistemáticas e infundadas eram (e ainda são) realidade. E quando a realidade não é boa, mudar é mais fácil; quando se está perdendo o jogo, mudar a estratégia deixa de ser opção e se torna prioridade. A ousadia tem valido a pena.

“Ao cansaço segue-se o sonho, e não é raro que o sonho compense a tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência inteiramente simples e absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante o dia, por falta de forças.” — Walter Benjamin

Versão resumida ×

O conservadorismo de empresas tradicionais passou a limitar a expressão das potencialidades das mulheres. Desvalorizadas, elas começam seus próprios negócios, sob suas próprias regras. Com a possibilidade reduzida de crescer e chegar a cargos de tomada de decisão, é por meio do empreendedorismo que as mulheres encontram uma rota para unir propósito e carreira. E as marcas, empresas, start-ups e projetos que elas têm criado carregam enorme potencial de transformação social e ambiental no Brasil e no mundo.

A porcentagem de mulheres à frente de negócios não só aquece a economia como também gera mudanças socioambientais positivas. A responsabilidade social é uma prioridade para a mulher empreendedora, e mulheres bem sucedidas são mais propensas que homens bem sucedidos a serem donos de uma empresa que possa unir paixões pessoais e gerar impactos positivos no mundo. Não é difícil levantar exemplos que tornam esses números realidade em diferentes segmentos do mercado.

A Rede Asta gera inclusão social por meio da produção de produtos a partir de resíduos, com artesãs distribuídas em 10 cidades brasileiras. Ana Fracasso e Julia Bedolo criaram o e-commerce Mais Alma com o objetivo de conectar fazedores com consumidores preocupados e conscientes. Pioneira na produção de cosméticos orgânicos e veganos no Brasil, a Surya Brasil, de Clelia Angelon e Wanda Malhotra, atua pela preservação ambiental, desenvolvimento pessoal e direitos humanos. O Banco de Tecido é uma iniciativa que reaviva tecidos parados em confecções e ateliês, diminuindo o consumo e evitando desperdício. A InfoPreta proporciona para todas as mulheres, principalmente moradoras periféricas, democratização do acesso à internet. Think Eva é liderado por 5 mulheres e propõe-se a ajudar grandes marcas e empresas a repensar o papel da mulher na publicidade.

De maneira isolada, porém, o empreendedorismo não é capaz de transformar a sociedade como um todo. São necessárias ações sociais e governamentais que escapem da estrutura dos negócios e da iniciativa privada para, de fato, chegarmos a uma sociedade mais igualitária.

Negócios costumam ter o único propósito de gerar lucro a qualquer custo, e é interessante que sejam justamente as mulheres as responsáveis por defender novas bandeiras neste ambiente hostil. Talvez elas se importem menos em correr riscos, justamente por estarem acostumadas a ter sua potência subestimada. A diferença de salário, machismo em ambiente de trabalho, barreiras sistemáticas e infundadas eram (e ainda são) realidade. E quando a realidade não é boa, mudar é mais fácil; quando se está perdendo o jogo, mudar a estratégia deixa de ser opção e se torna prioridade. A ousadia tem valido a pena.

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